Sobre

Gurufim, de Arlete Mendes, fala de nascimento e morte do corpo feminino

O movimento metamorfoseador que atravessa os nascimentos e as mortes do corpo feminino é o fio espiralar por qual ondula“Gurufim”,novo livro da professora paulista-cearense Arlete Mendes. Selecionada no Programa de Fomento da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo (ProAC), a obra que sai pela editora feminista Vicença busca ecoar, a partir de uma imersão no universo da própria autora, a presença de vozes multifacetadas de mulheres que duvidam até mesmo da sua condição de ser e estar num mundo corroído pela barbárie.

Como ser mulher vivendo num país recorde de feminicídio e estupro? Como sentir prazer a partir de um corpo sentenciado antes mesmo de nascer? Como sentir o amor se este pode efetivamente matar? Como é “ser” num lugar em que se precisa ludibriar a todo instante o “não-ser”?  Inquietações como essas povoam os versos agudos da poeta paulistana-nordestina, afroindígena e periférica que mergulhada nos valores da ancestralidade para atribuir a sua poética um lugar de sonho, de desejo e de encontro contínuo entre passado, presente e futuro.

Gurufim, palavra escolhida para nomear o livro de poemas, significa um velório popular em que há música, dança e canto, em homenagem ao morto. Regiane Cabral de Paiva, doutora em Letras, explica, contudo, que o próprio título-palavra transita em diferentes sentidos: pelo ritual da comunidade afro-brasileira, pela mitologia egípcia e pode estar presente no ritual do samba. “A interseção entre elas é a morte embalada pelo voo, pelo cantar e pelo cortejo. Nessa revoada, o 61º texto foi escolhido por Arlete Mendes como título do livro cuja anunciação dialoga com o eleitor sobre essa passagem pela vida e além vida por meio da poesia e, outras vezes, pela prosa, que de tão livre se torna poema”, escreve Regiane na apresentação do livro.

A catarse de Arlete tem uma presença onírica marcante, mas sem deixar de lado a materialidade e a concretude da existência. “Há um brado que insufla contra os espaços de opressão, seja na esfera pública ou privada, escavando a partir da insistência sonora pequenas fissuras na realidade mortificadora. Dessas frestas surgem novas formas autogestadas no corpo da mulher periférica, que se recria como matéria viva, potencialmente expandido por e pela palavra”, diz Arlete Mendes. 

Para as editoras da Vicença, as vozes ecoadas neste projeto falam a partir das camadas menos prestigiadas e trazem para o centro da ação a mulher, tanto pelo código canônico, quanto pelo código não letrado, que desde muito jovem aprende a elaborar cuidadosamente seu próximo passo, peão na linha de frente do xadrez humano, em que, a cada movimento, deve ser evitado o xeque-mate. “A partir do jogo simbólico entre ser-perecer, o livro traz para o embate estético, linguístico e filosófico a temática da morte, que apesar de ser um dos grandes temas da literatura universal e perpassar pela produção de incontáveis autores, é uma fonte de visitação contínua, quiçá inesgotável”, escreve o conselho editorial no posfácio.

Sobre a autora
Arlete Mendes nasceu em Embu das Artes, São Paulo. Filha de cearenses, reside atualmente no município de Cotia, na grande São Paulo. Com uma vasta atuação artístico-cultural, idealiza, junto ao coletivo de mulheres Vicença, a criação de uma editora independente: Vicença Editorial, que lança, agora em 2022, o livro Gurufim.

JOSÉ DE PAIVA REBOUÇAS
Jornalista – DRT/RN 01948
@paiva_reboucas

Escrito por Paiva Rebouças

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Culpa | Capítulo IV