Sobre

O conforto das mentiras

A verdade exige um esforço que poucos estão dispostos a fazer. Dói nos olhos como o sol do meio-dia. Pesa sobre os ombros como uma carga invisível. Há algo na mentira que é doce. Um alívio que percorre o corpo como um gole de café na manhã fria.

Dizem que a economia é natural. Que o mercado se autorregula. Que a meritocracia premia os melhores. Dizem que não há alternativa. Dizem que a democracia é plena e que os representantes representam. Que a fé é certeza, o amor é eterno e a justiça é cega.

Ninguém quer ler um livro sobre a falência dessas certezas. Melhor um vídeo curto, uma manchete que cabe inteira na tela do celular. Um inimigo prático, uma resposta rápida. O erro é sempre do outro. Do pobre que não se esforça. Do imigrante que rouba empregos. Da mulher que não se dá ao respeito. Do velho que não soube guardar dinheiro. Do jovem que não quer trabalhar.

Há séculos o homem aprendeu a contar histórias. Histórias que ensinam, distraem, domesticam. O homem moderno não abandonou essa arte. Pelo contrário, aperfeiçoou-a. Transformou-a em política, mercado, publicidade. Criou mitos novos, revestidos de gráficos e estatísticas, embalados em discursos que poucos ousam questionar.

A mentira ganhou um nome sofisticado. Chama-se narrativa. Chama-se marketing. Chama-se opinião. A verdade se tornou arrogante, insuportável, elitista. Quem se apega a ela é chato, pedante, subversivo. Melhor não questionar, seguir em frente, acreditar na versão mais palatável.

A verdade incomoda porque desmonta ilusões. Quem encara a verdade descobre que não está no controle. Que a história não é bem aquela que contaram. Que o mundo não recompensa necessariamente os justos e os bons. Descobre que há um sistema em que as regras são feitas por quem já venceu.

A verdade pede paciência, pede leitura, pede debate. Quem tem tempo para isso. Melhor uma manchete, uma frase de efeito, um inimigo pronto. A mentira tem pressa. O algoritmo precisa de cliques. O mercado precisa de consumo. O poder precisa de obediência.

Assim seguimos, embalados na comodidade da farsa. Repetimos slogans, compramos promessas, escolhemos crenças como quem escolhe roupas. Melhor viver na doce ignorância do que perder noites pensando no que não se pode mudar. Melhor rir do que chorar. Melhor esquecer do que lembrar.

Mas há sempre aqueles que insistem. Que abrem os livros, que vasculham os números, que duvidam das verdades prontas. Esses não dormem bem. Esses perdem amigos. Esses vivem em guerra consigo mesmos. Esses sabem que lutar contra a mentira é tarefa inglória, mas necessária.

Porque, como disse Asimov, há um culto à ignorância no mundo. E sempre houve. Ele prospera na ilusão de que toda crença tem o mesmo peso que a razão, de que todo palpite vale tanto quanto o conhecimento, de que a verdade não passa de uma questão de opinião.

Escrito por Paiva Rebouças

Greve da fome

Em Cartaz: O Mentiroso