Sobre

Livros

Eu tenho estantes de livros, diversos, clássicos e contemporâneos. Mas eu tenho a ideia de que não gosto mais de livros porque o livro exige tempo, dedicação e silêncio. É uma multidão que povoa seu interior, um mundo paralelo que acontece enquanto você está parado e desprendido da realidade presente. Não me desfaço dos meus livros porque tenho por eles um apego inexplicável, são patrimônios físicos que me conduzem a outras realidades como portas portáteis com poder absoluto de transferência do corpo invisível que nos compõe. Os livros são objetos transcendentes que se pode amá-los de amor tátil, que podemos vivê-los e lançá-los ou simplesmente deixá-los pausados no coração da estante.

Existe um paradoxo que é gostar de livros sem querer abri-los sempre, mas ainda amá-los com a intensidade de quem os lê todos os dias. Eles repousam ali, nas prateleiras, observando o tempo passar, cúmplices do nosso apego silencioso, quase tímido. Cada um deles é uma espécie de portal discreto, um universo dobrado em páginas e capas que aguardam, pacientes, nosso olhar atento. E é curioso pensar que o livro não se ofende por ficar fechado. Ele sabe esperar. Na sua quietude, guarda para si histórias e segredos que, um dia, talvez decidamos desdobrar de novo, como cartas antigas cheias de memórias.

Livros são, por essência, coisas de eternidade, e nós sabemos disso. Talvez por isso, mesmo com a vida atribulada, eles continuam ali, fiéis, esperando por nós. Não há pressa. É como se nos amassem também, com a paciência de um velho amigo. E nesse amor silencioso, cada capa guarda uma lembrança, cada lombada é um fragmento da nossa história. Deixá-los ali, na estante, é como preservar um pedaço de quem fomos, de quem ainda podemos ser. São como guardiões de memórias e sonhos, pontes entre realidades que se mesclam ao toque de nossos dedos. Esse amor tátil, essa devoção aos livros físicos, transcende qualquer funcionalidade. É o prazer de possuí-los, de senti-los ali, testemunhas da nossa própria jornada.

Há quem diga que o futuro será sem papel, sem livros, mas nós, leitores de estantes povoadas, sabemos que isso seria um crime. Porque o livro é mais do que história impressa; é um companheiro de viagem, um espelho que nos reflete em nuances secretas. Cada um deles, parado ali, já é uma promessa, uma aventura aguardando para ser desvelada. Quem passa os olhos por essas estantes percebe algo de sagrado. São mais que objetos, são relíquias vivas, cápsulas do tempo que não nos aprisionam, mas nos libertam.

É por isso que, mesmo que o ritmo da vida nos afaste das leituras, nunca deixamos de amá-los. Os livros, como todos os amores verdadeiros, não exigem pressa. Eles sabem que o amor é feito de tempo e que a eternidade cabe em cada página. Na estante, ficam ali, pausados, mas pulsando, como corações de papel que batem no ritmo da nossa própria existência. A nossa história está ali, enredada nessas páginas, e cada livro, mesmo fechado, é uma pequena peça do quebra-cabeça de quem somos.

Escrito por Paiva Rebouças

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