Sobre

É por isso que o mundo vai acabar

Por Natália Chagas

Meu nome é Azurra. Herdei da minha avó junto com minha estrutura óssea e minha personalidade passional. Sempre sonhei em ter a sabedoria dela também, mas tenho que comer muito feijão com arroz pra chegar a isso. Hoje tenho as melhores lembranças de infância porque a tive ao meu lado. Não sofro com a saudade. Ela me acompanha. Me distraio em tristezas, de repente sinto seu cheiro, uma força me invade e sou feliz novamente.

Das muitas coisas que minha avó me ensinou, uma foi a medida certa de cada coisa desde um bolo até o amor. Todos os dias era dia de aprendizado. “Ouça sempre, fale pouco”. “Não saiba, queira saber”. “Demonstre seus sentimentos para quem vai admirá-los, e não despreze a dor alheia”. “Palavras ‘nunca’ e ‘sempre’ devem ser usadas para hoje, não no futuro”. 

Um primo meu, doente com nariz entupido e febre, foi deixado aos seus cuidados, a minha tia voltou porque havia esquecido as chaves e flagrou vovó fazendo uma baciada de vapor para inalação com cachaça para ele. A mãe, desesperada, correu dizendo a dona Quitéria que ela não podia fazer aquilo com uma criança de 12 anos. Vovó fechou a cara e soltou: “É por isso que o mundo vai acabar! Vocês ficam confundindo remédio com divertimento. Cachaça é remédio. Não devia tomar até se acabar como faz seu marido. Deve ter moderação e propósito pra essas coisas. Para relaxar a via respiratória é importante! Mas não! A criança tem 12 anos e não pode se intoxicar, tem que morrer sem oxigênio. Vai se acabar, o mundo vai se acabar!”.

Em um outro dia, toda parentada reunida para descobrir como contariam para dona Quitéria que um neto era homossexual e já estava com um namoradinho. Elegeram um filho calmo e bem versado de palavras para conversar de maneira franca, mas cuidadosa. Ao explicar todos os detalhes com muita calma para vovó, ficou todo o restante da família de longe observando os olhos atentos da matriarca em completo silêncio. No final, ela se levantou, caminhou calmamente, quase trazendo por um ímã o filho que lhe falava para perto de nós que estávamos à espreita, e disse: “É por isso que o mundo vai se acabar! Vocês não têm vergonha de colocar o amor verdadeiro de um jovem submetido à uma idosa à beira da morte. Qualquer opinião que eu tenha não vale a felicidade de ninguém. Que vocês queiram ser infelizes para satisfazer o julgamento alheio, façam por vocês. Não passem esse fardo para frente. Vai acabar, o mundo vai acabar!”.

E sempre foi isso de dona Quitéria, dentro de suas medidas e valores, a alegria acima da morte, a paz acima da razão e mais vale amor do que opinião.

Na Agenda: Imagineland: em julho, a imaginação vai tomar forma em João Pessoa (PB)

Diálogos virtuais debatem aplicação da Lei Paulo Gustavo para a cultura potiguar