Ele sempre havia escondido a forte miopia. Desde criança, em Cafarnaum, depois na juventude em Emaús, conseguira disfarçar seu problema de visão. Mas, era-lhe sempre difícil diferenciar o que via com nitidez, costumava atrapalhar-se com dinheiro, as imagens e símbolos nas moedas lhe pareciam difusos. Nunca se acostumara com a visão turva, que lhe impedira de pegar em armas e virar soldado, com seus irmãos, seus primos. Após começar a seguir o mestre, pensou em pedir para que ele o curasse, mas, entre a timidez e uma estranha descrença, não o fez. Mesmo tendo visto tudo acontecer ali na frente dele, tão perto dos olhos para que não tivesse qualquer dúvida, qualquer desconfiança. Pensava nisso, quando, conforme o combinado com os sacerdotes aproximou-se do grupo discretamente, e, após uma fração de segundo de dúvidas, beijou na face com força e medo o homem marcado para morrer. Afastou-se, e então, apertando os olhos, para vencer a má visão, viu os guardas prenderem com violência a Pedro, o pescador.
— Não é esse o Cristo, eu beijei o homem errado!, ainda gritou Judas (Por Deus, todos eles iguais, morenos, com os cabelos compridos e a barba…), mas era inútil. Jesus permanecia sentado na grama sem entender o que estava acontecendo. E os centuriões se afastando com Pedro. O que estava escrito acabara de se desfazer. A história do mundo havia mudado para sempre.
Cefas Carvalho é jornalista
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