Recebi nas últimas semanas de pelo menos quatro amigos diferentes um texto apócrifo, como quase tudo que circula hoje nas redes e grupos de zap, sobre uma tal “Geração de Ferro”, que seria esse pessoal entre 50 e 60 anos (faixa etária onde me encontro) e ainda a geração dos nossos pais, inclusa, que supostamente sabia e sabe como viver, ao contrário da geração atual considerada frágil, “de cristal” como cita o texto. Será mesmo isso? Antes de dar meus pitacos sobre o tema, eu que volta a meia escrevo sobre conflitos gerações e os dilemas dos cinquentões meus contemporâneos, vou reproduzir aqui o texto recebido (e em forma de poesia, que fizeram para ficar mais solene e pomposo):
“Está partindo a Geração de Ferro para dar passagem à Geração Cristal.
Está partindo a geração que sem estudos educou seus filhos.
Aquela que, apesar da falta de tudo, nunca permitiu que faltasse o indispensável em casa.
Aquela que ensinou valores, começando por amor e respeito.
Estão partindo os que podiam viver com pouco luxo sem se sentir frustrados com isso.
Aqueles que trabalharam desde tenra idade e ensinaram o valor das coisas, não o preço.
Partem os que passaram por mil dificuldades e sem desistir nos ensinaram a viver com dignidade.
Aqueles que depois de uma vida de sacrifícios e agruras vão com as mãos enrugadas, mas a testa erguida.
A geração que nos ensinou a viver sem medo está partindo”.
Não obstante a generalização, que nunca aprecio, e a visão romantizada de algo complexo (uma geração inteira), no texto me chamaram a atenção alguns pontos. O primeiro é que criou-se um mito que nas gerações passadas havia “amor” e “respeito” incondicionais e indiscutíveis em cada lar e que nos dias atuais isso foi suprimido ou substituído por uma outra cultura (de desamor e falta de respeito, suponho). A questão é que tanto a minha geração – de cinquentões – como a de nossos pais, romantizam a si mesmas enquanto coletivo geracional e também os “velhos tempos”.
Ora, muito do que seria (supostamente, claro) melhor antes do que agora não passavam de circunstâncias sócio-culturais da época. Hoje existem mais divórcios do que antes, como reclamam! Claro, antes poucas mulheres tinham independência econômica para sair de um casamento ruim e tinham de aguentar o marido provedor. Antes nossas mães e avós tinham seis, sete, oito filhos sem reclamar e se dedicavam a criá-los e hoje não! Claro, afinal antes as mulheres tinham pouco ou nenhum acesso a controle de natalidade e por vezes sofriam estupro marital, sendo induzidas ou forçadas a engravidar e parir mesmo contra a vontade. Também acho graça quando me lembram que “antigamente” os filhos tinham respeito pelos pais. Recordo que muitas vezes esse respeito era medo mesmo, já que tapas e surras com “efeito pedagógico” eram aceitos e até incentivados em boa parte dos lares.
Mas o que realmente me fascina é quando cinquentões e sessentões vêm me falar que a geração de hoje é cheia de “mimimi” e que a nossa, a tal geração de ferro, suponho, não tinha essas frescuras e sabia viver de verdade. Sim, sabia viver em um mundo de preconceitos de gênero e raça explícitos, homofobia, bullying, que deixaram, inclusive, efeitos colaterais neles mesmos. Parece-me curioso homens de 55 anos, como os que conheço, terem tido casamentos desastrosos, à base de traição e mentiras, serem distanciados dos filhos, segurarem a onda à base de remédios e álcool e ainda criticarem as novas gerações com base no conceito de que a nossa geração “é que sabia viver”. Nada disso. Não sabíamos viver tanto quanto pensamos, não sabíamos deixar os outros viverem e ainda hoje tentamos sobreviver em um mundo acelerado que muitos de nós também não entendemos.
Geração de ferro? Nem pensar. O saudosismo de quem acredita que as novidades musicais encerram com Scorpions e que se acomodou em dualidades e verdades fáceis, inverte papéis e não percebe que essa nova geração nada tem de cristal, já que vive sua juventude em um mundo cheio de contradições, em meio ao avanço do fascismo e com tecnologias que nenhum de nós sabe onde podem parar. A “geração de ferro” não quer se olhar no espelho. E no fim sempre evoco o Eclesiastes 1:4: “Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece”.