Sobre

Sommelier de indignações

Há certo tipo de internauta que faz questão de deixar comentários ácidos nos matérias de portais registrando, por exemplo, que tais artistas fazem campanha contra a fome na África ou que tal ONG está cuidando de pessoas sem teto ou ainda que a reportagem mostra preocupação com o assassinato de pessoas trans. No primeiro caso, a grita é “por que na África, e no resto do mundo não tem gente também passando fome?”. No segundo caso, o fel é mais ou menos assim: “Por que a ONG também não se preocupa com as pessoas que tem teto mas não tem dinheiro nem comida?”. No terceiro, o mantra é: “pessoas que não são trans também são assassinadas, por que a reportagem não mostra isso?”

Enfim, são pessoas que veem uma indignação e querem impor, com base em sua ideologia e suas cismas e neuras, a sua própria indignação. Como diz o amigo jornalista de verve ácida Alex de Souza, é o “sommelier de indignações”. Da mesma forma que o sommelier original, o de vinhos e bebidas, tem o dever de, meticulosamente, selecionar o produto que deve ser degustado, o “sommelier de indignação”, chamemo-lo assim, se coloca no dever de indicar qual causa deve nos indignar naquele momento que ele, na sua superioridade, julga necessário.

Matança de crianças em Gaza? Ah, mas também morrem crianças nas favelas brasileiras. Tragédia ambiental e enchentes no Rio Grande do Sul? Oh, mas esse assunto já deu, na Índia e Tailândia também tem gente morrendo com enchentes! Para os “sommeliers de indignação” só é válido se lamentar, chorar, lutar por uma causa, se abraçarmos todas as demais, o que obviamente é impossível. Lembrando ainda do nonsense dos “sommeliers de vacina” que tivemos na época da pandemia. “Ah, esse é Coronavac? Desculpe, só quero se for Pfizer!”. Deus nos livre disso. 

Para esse pessoal não existe isso de “uma coisa de cada vez” ou “trabalho de formiguinha”. Ou é tudo ou nada, ou resolvemos o mundo de uma vez ou deixamos tudo para lá. Sempre na hora e da forma que eles querem, afinal, sabem tudo sobre indignação e causas justas e lutas. Só que não, como diz o meme atual.

Porque militância de teclado de notebook no ar condicionado é fácil. Reclamar da luta alheia num iphone enquanto bebe um café no Starbucks é fácil.

Cada qual tem suas causas, suas pautas, suas bandeiras e suas lutas. Cada um fazendo o seu dentro de suas limitações já está bom para fazermos este mundo menos pior, menos injusto do que está. Se os censores de causas, “sommeliers de indignação” não atrapalharem com comentários toscos, já que não ajudam, já é grande coisa.

Escrito por Cefas Carvalho

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Em Cartaz: Linhas Opostas