Por Cefas Carvalho
Dia desses passou pelo meu feed de imagens do Instagram uma frase de François Mauriac (1885 1970), genial escritor francês, Nobel de Literatura de 1952, que me encantou: “Diga-me o que lês e te direi quem és – isto é verdade. Mas eu te conhecerei melhor se me disserem o que relês”.
Subvertendo duplamente o ditado popular, Mauriac tocou com a sentença em um ponto sensível meu: reler livros. Como leitor compulsivo e obsessivo tenho minhas releituras obrigatórias, quase fanáticas, por vezes mais importantes que a leitura de um novo livro, ainda que fundamental, premiado ou clássico.
Ler novamente um livro já lido é uma sensação ambígua e complexa. Já entramos na história sabendo o que vai acontecer, o suspense,a expectativa são abolidas, portanto. Mas como explicar aquele sobressalto no coração ao chegar no final da história (já conhecido) e ter a sensação de que o fim será diferente? Como se a magia da literatura fosse capaz de alterar o epílogo do livro ou entre uma leitura e outra, o fantasma do escritor se embrenhasse entre as páginas para modificar as linhas.
Nesse clima, lá fui eu para a biblioteca, ou deveria dizer para as modestas estantes de livros em casa, garimpar os livros que mais vezes reli. Dei de cara com “1934”, do italiano Alberto Moravia, que li pela primeira aos dezessete e desde então releio ano sim, ano não. 2024 é ano sim, devo pegá-lo em dezembro, com a vida menos caótica. Para conferir se Lúcio, jovem intelectual desiludido com a vida, vai novamente se apaixonar pelas irmãs alemãs Trude e Beate, num veraneio na Ilha de Capri.
Encontro também “Sobre heróis e tumbas”, que descobri num sebo em São Paulo em 1990 e desde a primeira leitura nos metrôs e bares no inverno paulistano vivo um perpétuo fascínio com a história da jovem Alexandra Olmos em uma Buenos Aires fria, em meio ao próprio desespero e à loucura do pai, Fernando Vidal Olmos, cujo trágico destino sempre espero que mude a cada releitura. E cada releitura é como se fosse a primeira vez.
Entre os brasileiros, lá está Dom Casmurro, que li uma dezena de vezes, sempre sob um prisma diferente. Já li a obra prima de Machado de Assis para investigar que Capitu realmente traiu Bentinho e já li para ter certeza que ela justamente não traiu e o homem era paranóico. Já li para adaptar para uma peça teatral amadora, já li o livro para estudar Escobar. Enfim, a cada nova leitura descubro coisas novas. Como em outro clássico machadiano que releito sem cansar: “Memórias póstumas de Brás Cubas”.
Há os escritores que releio sempre. Henry Miller, Anais Nin, Vargas Llosa. E há Ernest Hemingway, meu mestre e escritor preferido. Curiosamente há livros do cidadão que só li uma única vez e não pretendo reler, sei lá porque, pois amei as obras, como “Adeus às armas” e “Por quem os sinos dobram”. Em compensação, “O sol também se levanta” li tantas vezes que decorei alguns diálogos. “Paris é uma festa” foi meu manual e guia durante as duas viagens à capital francesa. Sem falar de “O jardim do Éden”, livro póstumo do gênio que apesar de mal recebido pelos críticos, me encanta e me obseda. Numa fase da vida a cada livro novo que eu pensava em escrever relia “O jardim do Éden”. Coisa de doido. Ou de escritor. Que são a mesma coisa, talvez, como escrevi um dia desses em um artigo. Sim, estou me repetindo, mas quem nunca? Coisa de quem relê livros sem cansar.