Sobre

Aperto

Os olhares se cruzaram na chegada ao ateliê, quando muitos ainda trabalhavam. Já era noite, Arthur veio orçar um painel para promover o próximo desfile de Januário. O costureiro, natural de Santa Cruz, pequena cidade do sertão nordestino, fez fama em Nova Iorque. Dizem até que ele nasceu com aquilo virado para a Lua, pois bastou dois anos para despontar na gringa como um dos mais promissores costureiros da atualidade.

— É trabalho, Arthur. Nada mais — dizia ao mostrar os planos para sua ação de marketing ao publicitário.

Januário guardava consigo a mágoa de não ter o reconhecimento dos conterrâneos. Mas era algo a ser trabalhado, dizia Célia, sua irmã, e fiel escudeira. Aliás, foi ela quem conseguiu, a duras penas, a reconciliação entre seu irmão e o genitor, um sertanejo que via a profissão de Arthur como algo desabonador. Ele, Jales, fazia jus à fama da brutalidade que o acompanhava desde a mocidade, tendo “nas costas” várias mortes atribuídas a ele.

— Foi ela que me convenceu a trazer o ateliê para a casa do velho — esclareceu ao ser perguntado o porquê de não estar na capital.

Entre a discussão sobre o planejamento da ação publicitária, amenidades, algumas taças de vinho. Planos, tática, vida pessoal, assuntos diversos que vararam a madrugada.

Tudo acertado. Despediram-se. Januário se recolheu. Célia acompanhou Artur até a porta.

— Não vá embora. Entra naquela sala e me espera. Eu voltarei! — cochichou.

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Arthur riu intimamente. Fazia tempo que não sentia esse fogo, essa “maluquice” de adolescente. Olhava para a porta incessante torcendo que ela se abrisse.

“Mas que demora? Nenhuma mensagem!”. Ocorreu-lhe que o pai morava ali também e que poderia tornar a situação embaraçosa caso ele fosse descoberto. Afinal, mesmo com o consentimento de Célia, tratava-se de um estranho. “E ainda por cima escondido”, gelou.

A preocupação aumentava, a tensão era insustentável, pior com a necessidade de usar o banheiro.

—Meu Deus, o que vou fazer? O jeito é improvisar —desesperou-se.

Angustiado, desapontado, esvaziou um saco de linha grande para a realização do “serviço”. Basta jogar fora sem que ninguém veja.

— Ela não virá. ‘Demônia’! — vaticinou.

Nisso a porta vai se abrindo…

Seria ela?

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Só restou, daquele encontro de negócios, a vergonha e um saco cheio de urina deixado para trás. Até hoje Arthur não retorna as ligações do costureiro. Muito menos as de Célia.

Escrito por Túlio Ratto

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