Mal amanhecia, lá ia Maria em sua faina diária. Mulata sestrosa, pés e mãos um tanto quanto toscos, venta larga e um sorriso que tirava qualquer um do sério. Sem contar com a bunda, imponente qual tanajura e de fazer inveja a certas melancias.
Tinha orgulho do corpo porque era dele que tirava seu sustento. Não que fosse dada a prazeres e dinheiro fáceis. Era lavadeira e também trabalhava como diarista. Dessa lida saía o sustento seu e de seus filhos.
Após andar um bom par de léguas, pegar dois ônibus lotados e novamente caminhar, Maria chegou ao seu trabalho do dia. Uma pilha de roupa suja esperava a ela e ao sabão. Depois ao ferro.
“Vixe, dessa vez o povo exagerou”, pensava, enquanto em voz alta perguntava à patroa tão Maria quanto ela, mas que preferia ser chamada pelo correspondente estrangeiro:
– Teve festa, dona Mary?
– Não, só umas visitinhas de parentes.
Enquanto separava os panos de prato, guardanapos e toalhas de mesa sujas de molho de tomate e gordura para colocar de molho, Maria pensava nos acepipes que deviam ter servido para deixar tanta coisa suja.
Gostava de comida. De comer e de fazer pratos diferentes. Que ninguém viesse com o arroz e feijão de todo dia porque aí só saía arroz e feijão mesmo, junto com um ovinho, que ninguém é de ferro.
Quando era mais nova, não sabia cozinhar quase nada. Era arroz e ovo, ovo e arroz, arroz com ovo… lembrou ela, se rindo ao pensar nas crianças de que tinha cuidado e que não comiam outra coisa dia após dia por pura falta de habilidade culinária dela.
Hoje não, já se aventurava entre as panelas. Aprendera por causa dos filhos. Gostava de repetir em casa o que via e comia na casa de quem prestava serviço. Nada muito chique, mas dava para sair um creme de galinha ou mesmo um estrogonofe de carne.
Ser mãe tinha virado a vida dela cabeça pra baixo. Ou seria pra cima? Engravidara muito jovem, de uma aventura que não dera certo. Conheceu um rapaz bonito, aceitou convite para sair e depois de algumas bebidas a que não estava acostumada, fora deixada num motel desacordada. O sortilégio resultou num varão.
A gravidez fora bem aceita pela mãe, também Maria, e pela patroa da época. O menino nasceu sadio e deu início a uma nova fase na vida dela. Agora, já não era sozinha.
Desde menina aprendera a ganhar a vida na casa dos outros, pensava assim que um dia conseguiria ter sua própria casa. Sempre creu que o sonho não era vão. E não foi. Casou, teve outros filhos, ficou viúva, comprou a casa. Vieram os netos, sua alegria. A aposentadoria não tardou e Maria hoje se dá ao luxo de só cuidar dos seus.
Comentários
Carregando...