Sobre

Saudades

Saudade é negócio doído, mas nunca é uma só. A saudade é um nó que nos maltrata sem pena, quebra a regra, muda a cena, quando o negócio é amor. A vontade de lembrar cada instante, cada hora como se fosse agora o vivido anteontem. Aquele querer danado de ficar perto, apertado, de adular quem nos adula. Essa é saudade mais dada, pois de tanto ser lembrada é a que mais nos anula.

Mas existe uma saudade que é bem mais malfazeja, uma que chega e lampeja clareando as lembranças, marca o passo, traça a dança e nos remove no tempo. É reflexo de um momento que estava bem guardado, tão sumido, amufambado que assusta o pensamento. Basta uma música, um cheiro, um gostinho de tempero pra tudo voltar com força, joga a gente numa poça de recordação perene.

Saudade mexida é de quem foi pra não voltar. Uma saudade que dá de saber que não tem jeito, chega dói aqui no peito só de tocar na conversa, essa coisa que atravessa, mas não sai do outro lado. O negócio é agradecer a lembrança que foi boa e não deixar a pessoa jamais ser esquecida. Não adianta lamentar, resmungar, tentar efeito, da vida esse é o defeito que não tem quem organize.

Existe ainda a saudade que é feita de perigo, essa tem a ver consigo que se esquece de se ver. Repara tanto o presente que não atina, não sente, o que foi acontecendo. Vai guiado e pendendo pruma vontade alheia, atolado na areia de uma vida mal corrida, segue esquecendo da vida que é sua por direito. Essa saudade destrói, mata a vontade, corrói a imagem no espelho, aí só com bom conselho, muita dobra de joelho talvez se possa dar jeito.

Tem também a dependência que não é uma saudade, mas carrega a maldade de um querer que domina. Perigosa cafeína que nos guia pro errado, esse troço malfadado que nos torna tão carentes de querelas recorrentes que só nos leva pro mal. Essa vontade malvada precisa ser combatida com boldo ou criolina, pois se ela nos domina é sofrência infernal.

Por fim, no último exemplo, a saudade equivocada. Essa é mais despudorada, pois pode ser resolvida. Saudade de ir à casa dos pais que moram na esquina, de falar com a menina pela rede social, de dizer ao pessoal que hoje se sai à rua, seca o balde, bebe a lua pra esquecer os problemas. Dar um telefonema pra falar com um amigo, rir de empinar o umbigo lembrando desimportâncias, ultrapassando as instâncias de estar sem estar sendo, passo a passo revivendo, resgatando e removendo as saudades desta vida.

Escrito por Paiva Rebouças

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