Por Ana Cadengue
“Imagina, pois, que num navio ou numa frota existe um capitão mais corpulento e robusto que os seus comandados, mas um tanto surdo e curto de vista, também não muito forte no que tange aos conhecimentos náuticos. Os marinheiros estão em disputa sobre o governo do navio, convencido cada qual de que tem direito a assumir o leme, sem jamais ter aprendido a arte de timoneiro nem poder indicar quem foi seu mestre ou a ocasião em que estudou; muito ao contrário, asseveram que isso não é matéria de estudo e, o que mais é, estão dispostos a fazer em pedaços quem quer que os contradiga”.
A alegoria do navio é uma história contada por Platão no livro A República, mas bem que serve para dar uma ideia do que acontece no verão potiguar que antecede mais uma eleição estadual. Entre convescotes, encontros e comezainas, balões de ensaio, ou melhor, garrafas são lançadas num oceano de interesses e interessados para ver qual consegue chegar à terra firme e lograr seu intento.
Candidaturas, pré-candidaturas, inclinações, histórias de vida, declarações, provocações e toda e qualquer coisa que renda um mínimo de arrebatamento são usadas nesse arsenal sem fim que a política, assim como o amor e o ódio, alimenta e mantém.
“Esses sujeitos rodeiam o comandante, instando com ele e empenhando-se para por todos os meios para que lhes entregue o timão; e sucede que, não logrando persuadi-lo e vendo que outros lhes são preferidos, dão morte a estes e os lançam pela borda, embotam os sentidos do honrado capitão com mandrágora, vinho ou qualquer coisa e se põem a mandar no navio apoderando-se de tudo que nele existe”.
Enquanto os marujos conchavam e travam suas lutas, o populacho se vê perdido num mar de notícias e factoides que testam o humor da turba e, qual biruta, podem indicar para onde os alísios levam ou se existe a possibilidade de um inesperado vento forte que mude o rumo ora observado dessa verdadeira nau dos agarrados.
“Alianças mais amplas e oligarquias representativas”; “Quem vai enfrentar Fátima?”; “De olho na ALRN, parlamentares devem migrar para PSDB em 2022”; “Bolsonaro entre o ‘excelente’ e o ‘fantástico’ no Rio Grande do Norte”; “Não estou MDB. Eu sou MDB” afirma o ex-deputado Henrique Alves”; “A independência de bancada vazia de João Maia”; “Candidatura permanecerá, se for consenso da oposição’, afirma Benes Leocádio”; “Fábio Faria ou Rogério Marinho para o Senado: quem vence a disputa pela preferência de Bolsonaro?”; “Lideranças do MDB impacientes com a lentidão para formação de chapa”; “Henrique defende que Álvaro Dias avalie candidatura ao Governo”; “Presidente do PL João Maia afirma que não apoiará reeleição de Fátima e deputados do seu partido poderão migrar para o PSDB” e “Fábio Faria em Mossoró e Rogério Marinho em São Gonçalo: ministros levam dinheiro aos maiores eleitorados do RN a 2 meses de deixarem os cargos” são alguns exemplos de marolas nessa aparente calmaria da política potiguar.
Como se inspirados nas piscinas com ondas, os timoneiros usam seus imediatos para agitar a madorna reinante. “A quem interessa a candidatura do prefeito Álvaro Dias ao governo do RN”; “Governo do estado rebate por meio de nota as acusações feitas pelo ministro Fábio Faria”; “Articulador do Governo Fátima foca em aliança com o MDB: ‘Porque ninguém ganha uma eleição sozinho’”; “Mineiro desafia Fábio Faria: “por que você não sai candidato a governador do Estado?”; “Jean Paul sobre indefinição de Carlos Eduardo que ora quer ser governador, ora senador: ‘Fica cheirando os dois lados, isso é falta de personalidade’”; “De Jean Paul sobre Rogério Marinho: “Prometeu geração de emprego e só entregou desemprego e desespero. É o pai do desemprego”; “Henrique está sendo escorraçado do MDB”; “Justiça Federal aceita denúncia contra Agripino e mais dois acusados”; “Candidatura de Álvaro Dias a governador não passa de engodo da oposição, e abril mostrará a certeza”.
Nessa nau catarineta, que há mais de um ano e um dia que vaga pelo mar, apesar de muitos já não terem o que comer e outros sem ter o que manjar, há também os que não se furtam ao desperdício, como a deputada que afirmou poder “engolir agora para cuspir depois”. Ou mesmo o deputado pião, ou seria peão, que patrocina eventos antivacina e espalha notícias falsas sobre “nanobots” que entrariam na corrente sanguínea e seriam capazes de governar o mundo ou matar a todos, escolham.
Enquanto uns preferem ao mar se jogar, antes que lhe comam os ferozes peixes , um senador da República numa inaudita e aplaudida atitude, como um gajeiro ao anunciar alvíssaras, desvia de memes e fofocas sobre sua sexualidade, contorna preconceitos e quase causa um tsunami ao assumir um “Por que não?”.
Voltando a Platão e à sua alegoria do navio ou a nau 2022 em nosso sofrido estado, “E assim, bebendo e banqueteando-se, prosseguem a viagem da maneira que seria de esperar num caso desses. Àquele que toma o seu partido e os ajuda a apoderar-se do comando pela persuasão ou pela força chamam-no homem do mar, bom piloto e entendido em náutica, ao mesmo tempo que tacham de inútil ao que não procede assim; e tampouco entendem que o bom piloto deve preocupar-se com o ano, a estação, o céu, os astros, os ventos e tudo mais que se relaciona com a arte se pretende realmente qualificar-se para a direção de um navio – e, estando verdadeiramente qualificado, ele é quem tem dirigi-lo, queiram os outros ou não”.
Como já dizia o general romano Pompeu, no século I a.C., ao encorajar os marinheiros receosos, “Navigare necesse, vivere non est necesse”. Assim, a revista Papangu incorpora o espírito argonauta e só espera que nessa briga entre rochedos e mares, marujos e capitães, peixes grandes e arraias miúdas, o Rio Grande do Norte não acabe mesmo é morrendo na praia.
Comentários
Carregando...