“Preciso parar. Já estou bem longe.”
Mas a cabeça não sossega, a me pedir que ande. A mente a me ordenar: “Vai, se afasta mais!”
Lavei as mãos várias vezes, o cheiro do sangue não saiu. Esfreguei-as com água e areia, nada.
“Nem lembro quantos dias se passaram”. Caminhando no sentido de enfiar léguas entre mim e o infortúnio.
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Eu disse a ele: “Vá-se embora, meu filho! Chega de sangue!”
Mesmo assim ele veio na minha direção, com os olhos vidrados, sinal de que bebera. “Deixe-me em paz! Já carrego uma cruz! Não quero outra, não!”
Puxou a peixeira. O sol do meio-dia brilhava na lâmina. Ele a me ameaçar: “Canalha! Criminoso! Vim aqui vingar o meu pai!”
“Vá-se embora, rapaz! Basta de sangue! A justiça me julgou, fui absolvido: legítima defesa. Carrego, desde então, essa cruz.”
“Vou vingar o meu pai!”
De repente, correu para cima de mim, jogou o golpe. Senti quando a lâmina raspou no meu braço. Sangue e dor. Dei-lhe um empurrão, tangendo-o para longe. “Vá, deixe de coisa! Não quero briga!”
Ele não se aquietava, os olhos irados, vermelhos. Percebi que preparava novo ataque; com força, no rumo do meu peito. Evitei-o, mas senti outro corte. Desta vez, na perna esquerda. De raspão.
Dei-lhe um tapa e um outro empurrão. Agora com mais potência, tomado pelo ímpeto do sangue a correr pela coxa e o braço feridos.
Olhei ao redor, ninguém. “Ninguém para levar esse condenado, tirá-lo daqui!”
“Tá vendo seu sangue! Naquela tarde foi o sangue dele. Hoje será o seu!” Aos gritos, como se contente.
Aprumou-se na areia quente e retornou. O brilho da peixeira ao sol, a enfiada forte. Puxei a minha faca da cintura, e aguardei-o.
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Seus olhos se turvaram. Ele levou a mão ao local do golpe, e cambaleou.
Caiu na areia, a se espernear, o sangue jorrando, a manchar a roupa e o areal de vermelho vivo.
Tentou se levantar, outra queda. “Você me acertou, seu desgraçado!”
Então corri, corri no rumo das nascentes. Sabia que por ali a mata era mais fechada.
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Estou cansado, a mente me atiça: “Vai, não para! Não para!”
Na copa das árvores, o festejo dos pássaros; nos ouvidos, a voz do rapaz: “Você me acertou, seu desgraçado!”
“Pai e filho, meu Deus!” A culpa a zoar nas minhas oiças, tal qual abelhas.
Bato nas orelhas, a tentar me livrar daquele inferno, daquela culpa. “Pai e filho, meu Deus!”
clauderarcanjo@gmail.com
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