Sobre

Tragédia Yanomami

Por Ana Cadengue

Arte: Brum

21 vezes.  Vinte e uma vezes. A invasão do garimpo ilegal em Terra Indígena (TI) Yanomami foi denunciada pelo menos 21 vezes à justiça nos últimos quatro anos. E todas foram solenemente ignoradas.  Uma tragédia anunciada.

A situação crítica na saúde dos indígenas, com casos graves de crianças e adultos em estado de desnutrição severa, contaminação de verminose e malária, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib está relacionado ao avanço do garimpo ilegal, incentivado pelo governo Bolsonaro.

A extração de minerais dentro da Terra Indígena não só contamina rios e pessoas, como também destrói florestas e afeta o modo de vida indígena, impondo restrições à circulação dentro das suas próprias terras, já que os indígenas deixam de usufruir de áreas utilizadas para a caça, pesca, roça, e da comunicação terrestre e aquática com as comunidades do mesmo conjunto multicomunitário, gerando escassez de alimentos.

O relatório da Hutukara Associação Yanomami, divulgado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib em abril de 2022, denunciou que o território vive o pior momento de invasão garimpeira desde que foi demarcado, há 30 anos. Na época, o então vice-presidente, general Hamilton Mourão, chegou a dizer que os dados sobre o garimpo ilegal eram “fantasiosos”.

Como denunciado pela Apib ao longo do governo Bolsonaro, a situação faz parte de um projeto político que vê no extermínio dos indígenas o caminho mais rápido para impulsionar a extração predatória dos bens naturais de áreas protegidas.

Como nossos filhos

O médico tropicalista André Siqueira, do Instituto Nacional de Infectologia da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), diz ter testemunhado “a pior situação de saúde e humanitária” que já viu.

Enviado ao local pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas-OMS), numa parceria com o Ministério da saúde, o especialista em malária visitou o polo-base de Surucucu, em Roraima, e passou por outras comunidades da região, Siqueira diz que se deparou com casos de desnutrição extrema em famílias inteiras. Emocionado, o médico confessou que é muito difícil enfrentar essa situação, que classifica como “catastrófica” e “desastrosa”.

“A gente compara com nossos filhos. Vemos os pais, as crianças e toda a comunidade sofrendo. E, mesmo diante de tanta dificuldade, há um senso de coletividade muito grande. Mesmo as pessoas com fome, quando recebem algum alimento, tentam dividir com quem está ali”, completa.

Estado de Emergência

O cenário de crise sanitária fez com que o Ministério da Saúde decretasse estado de emergência no último dia 20. A pasta também instalou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE – yanomami), que estará sob responsabilidade da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), e anunciou o envio imediato de cestas básicas, insumos e medicamentos.

A Terra Indígena Yanomami é a maior do país, em extensão territorial, cerca de 9,6 milhões de hectares, e sofre com a invasão de milhares de garimpeiros ilegais. O povo da região, mais de 30,4 mil habitantes, vive uma crise sanitária que já resultou na morte de 570 crianças por desnutrição e causas evitáveis, nos últimos anos.

Um dia depois do Ministério da Saúde decretar estado de emergência, o presidente Lula e uma comitiva de oito ministros estiveram na região.  As imagens de indígenas adultos extremamente magros e de crianças visivelmente desnutridas rodaram o mundo e mostram o tamanho da tragédia.

“Se alguém me contasse que em Roraima tinham pessoas sendo tratadas dessa forma desumana, como vi o povo Yanomami aqui, eu não acreditaria. O que vi me abalou. Vim aqui para dizer que vamos tratar nossos indígenas como seres humanos”, afirmou o presidente.

Lula decretou a criação de um comitê interministerial para adotar medidas de apoio aos indígenas. O ministro da Justiça, Flávio Dino, determinou a abertura de um inquérito para investigar se foi praticado o crime de genocídio, além de crimes ambientais na maior reserva indígena do país.

“Nós vamos levar muito a sério essa história de acabar com qualquer garimpo ilegal e mesmo que seja uma terra que tem autorização da agência para fazer pesquisa, eles podem fazer pesquisas sem destruir a água, sem destruir a floresta e sem colocar em risco a vida das pessoas que dependem da água pra sobreviver”, destacou Lula.

Nessa segunda-feira, 30, o presidente Lula fez reunião para tratar de ações emergenciais para proteção e auxílio aos yanomami, como a garantia de segurança necessária para que equipes de saúde possam atuar nas aldeias. Outra prioridade é garantir rapidamente o acesso a água potável por meio de poços artesianos ou cisternas e medir a contaminação por mercúrio dos rios e nas pessoas.

Para combater o garimpo ilegal e outras atividades criminosas na região, devem ser adotadas iniciativas que impeçam o transporte aéreo e fluvial que abastece os grupos criminosos, além do acesso de pessoas não autorizadas à região.

Em entrevista coletiva acompanhada da ministra da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento da Alemanha, Svenja Schulze, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse também nessa segunda-feira, 30, que o governo federal vai utilizar recursos do Fundo Amazônia em ações de segurança para expulsar garimpeiros clandestinos da região onde vivem os yanomami e acusou o governo Jair Bolsonaro de crimes de lesa-pátria e lesa-humanidade contra comunidades indígenas.

“Não tenho dúvida de que foi uma atitude genocida em relação às populações indígenas brasileiras e de que o governo federal está agindo emergencialmente diante de uma situação difícil, em que temos que recuperar as políticas, as instituições, os equipamentos públicos.”

A ministra alemã aproveitou para anunciar a liberação de cerca de 200 milhões de euros a serem empenhados em ações ambientais no Brasil num período de 100 dias.

Além disso, o Ministério dos Povos Indígenas determinou a anulação da Instrução Normativa nº 09, emitida em 16 de abril de 2020 pela então Fundação Nacional do Índio (Funai), autorizando a comercialização e exploração de terras invadidas dentro de territórios ainda não homologados, o que abre precedente para a anulação de certificação concedida a fazendeiros durante o governo Jair Bolsonaro.

Os territórios ainda não homologados constituem a maioria das terras habitadas por povos isolados, segundo ofício assinado pela ministra Sônia Guajajara.

“No Brasil existem ainda 114 registros de povos isolados e de recente contato. Destes, apenas 28 são confirmados de acordo com a metodologia do órgão indigenista, em 17 Terras Indígenas e 3 áreas com Restrição de Uso. O restante, 86 registros, estão em fase de qualificação”, afirma o documento datado do dia 24 de janeiro.

  • Com informações da Presidência da República, Agência Brasil, BBC e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

CIDADÃO DE BEM

Tá na Rede | Quem ainda não viu?