— Ai!
— Não se mexa. Vou chamar a enfermeira.
“Enfermeira?! Onde estou?”
Tentei me erguer, mas o corpo não me atendia. Mergulhado numa espécie de leseira e dor. Como se as forças me faltassem.
Pouco depois um homem surgiu junto de mim. Reparou nos aparelhos ligados ao meu corpo e, com um tom de voz baixo, ordenou:
— Precisamos mantê-lo dormindo. A cirurgia foi longa, e o quadro inspira cuidados.
“Cirurgia? Cuidados?!…”
Ao tentar falar, a língua ganhou volume na minha boca, um bolo a não pronunciar uma palavra sequer.
Senti uma mão junto à minha, e aquilo me consolou. Sem querer, mergulhei (ou seria mergulharam-me?) num sono profundo.
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Não sei quanto tempo depois, despertei. Ao abrir os olhos, uma pergunta escapou da minha boca:
— Creuza?
— Estou aqui.
— Mas… e aquele… homem? Ele lhe fez… algum mal? — interroguei-a, aflito.
Ela se aproximou do leito, os olhos marejados, e me tranquilizou:
— Não. Ele não me fez mal algum.
— Mas…
— Graças ao senhor. Não sei como teve forças para lutar. Estava fraco, no entanto você se agarrou com ele como um…
Não teve forças para continuar, Creuza caiu num choro, embaralhando-se com as palavras. Depois, segurou mais forte a minha mão direita e continuou:
— E agora se encontra nesse estado. Tudo culpa minha. Culpa minha.
Apertei-lhe ainda mais a sua mão, olhei em seus olhos, e ela entendeu o meu recado.
— O delegado anda à procura dele. Depois de lhe ferir, ele correu mata adentro, no rumo do Mucuripe — declarou.
Ao ouvir aquela palavra, “delegado”, quis me levantar, ela me conteve:
— Aonde o senhor pensa que vai? Estou aqui para cuidar de você. A enfermeira me confidenciou que foi um milagre você ter escapado dessa. Foram duas facadas fundas, o médico teve que costurá-lo por dentro e por fora. Me peguei com Santa Luzia e Maria Santíssima, pedi às duas que me dessem a graça da sua vida. Você que salvou a minha.
— Eu… culpa… preciso… sair…
Caí num desmaio, enquanto, como se bem longe, ouvia uma voz desesperada:
“Desmaiou… enfermeira… acuda!”
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As alpercatas, limpas, embaixo do leito. Um quarto grande, de paredes brancas, um soro na minha veia, gotejando. Num cabide metálico, a minha camisa pendurada, com as marcas da briga.
Consegui sentar-me, apesar da cabeça pesada, ainda bambo.
Numa poltrona, no canto, Creuza a dormir, tranquila. A lembrança da sua declaração: “Tudo culpa minha. Culpa minha.”
Aquilo me pesava, eu que há tempo carrego tão cruel sentimento.
Consegui me levantar, precisava fugir dali. Tirei o soro, calcei os chinelos e, lentamente, caminhei. Ao chegar à porta, o pedido de Creuza:
— Me deixe cuidar de você. Sei que seu passado lhe pesa, pesa muito. Pude entender grande parte da sua dor ouvindo todo o seu desespero quando você falava, inconsciente, entre a vida e a morte, aqui no leito do hospital.
— Não seja louca, Creuza, minha vida é uma desgraça, um inferno…
Ela não me deixou continuar. Pôs os seus olhos claros nos meus, levando o dedo indicador da mão direita aos meus lábios, a me pedir, cativante, silêncio.
Obedeci, e a seguir caí em seus braços.
— Eu vou estar sempre ao seu lado.