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O que posso dizer?

O que eu sei? Tenho noção de que conheço alguma coisa do mundo e posso contar sobre isso, mas o que realmente importa às pessoas? Entre minhas conversas com a psicóloga Flávia Passalacqua me soava estranho ouvi-la comentar que não tinha nada de interessante para dizer à humanidade além do que já fazia em seu consultório. O estranhamento era a suposta incongruência de uma mulher de idade com uma missão filantrópica árdua de ouvir pessoas em situação de vulnerabilidade emocional não achar que teria uma contribuição a dar com suas palavras. Se ela não tinha o que dizer, quem teria? Por muito tempo isso fica retornando à minha cabeça não como algo negativo, mas como um pensamento a ser considerado. Dizer algo exige muita certeza e condição de provar um ponto, exige muita energia e disposição para se manter exposto aos outros que também têm o que dizer.

Desde a virtualização das redes sociais grupos humanos constituem importância vital em coisas simples, tornando acontecimento aquilo que entendíamos como corriqueiro, cotidiano. Agora, comer é um acontecimento, caminhar é um acontecimento, encontrar a família, visitar amigos. Tudo é um acontecimento nos espaços virtuais daqueles que têm muito a dizer. O final do século XX criou uma nova leva de filósofos comunicadores que sempre têm muito a explicar e a ensinar da vida. Eles substituíram os padres e esotéricos, estes febres no final dos anos 1990. Agora, na segunda década do século XXI, até os cientistas entraram nas redes para comentar e divulgar seu conhecimento sobre tudo. Quer dizer, tem muita gente tendo o que dizer e eu cada vez mais fico com a impressão de que não há nada a mais para ser dito.

Ser cronista exige uma resposta. Preciso dizer algo. Mas aí também habita uma demanda filosófica: preciso mesmo? Por que dizer algo é dizer qualquer coisa, mas, no geral, também está atrelado ao fato de tecer opinião específica sobre fenômenos em curso, comumente criticando, negando ou apoiando. Mas o cronista é condutor de um gênero livre que nem é literatura, decerto, nem tampouco jornalismo. Não é colunismo social, definitivamente; é, talvez uma conversa de calçada numa cidade do interior do Nordeste onde nada acontece a não ser durante encontros, muitas vezes fortuitos, de velhos conhecidos, não necessariamente amigos ou parentes. Ali, numa calçada, sob um poste de luz amarela, se conversa sobre tudo, com opiniões diversas sobre qualquer assunto e sem a obrigação de comprovação teórica, embora as certezas sejam, sem dúvida, a grande valia dessa interação, por vezes, acaloradas.

O cantor popular cunhou em nossas cabeças a maldita frase: “quem fala pouco saca tudo”, uma máxima antiga atrelada a muitos pensadores do passado. Acusam Sócrates de ter dito que “quanto mais você sabe, mais você percebe que nada sabe”. Jean-Jacques Rousseau disse que “a pessoa que sabe muito, sabe que ainda há muito mais a saber” e o genial Millôr Fernandes que “quem sabe tudo, é porque anda muito mal informado”.

Para não ser injusto com os novos filósofos de YouTube, Mario Sergio Cortella lembra que “o conhecimento não é algo que nasce conosco, nem é algo que absorvemos isoladamente e nem é algo disponível se tivermos a cabeça fechada, ignorando a ‘bagagem’ de outras pessoas”. Como de fato, e é por isso que Edgar Morin, acertadamente, explica não ser possível viver fora do conhecimento após acessá-lo, no entanto, elabora que “o conhecimento para ser pertinente necessita de relações, ligações e religações às suas partes e àquilo que envolve e entrecruza a informação”. Ou seja, é necessário bagagem, leitura, vivência e muita parcimônia antes para se tecer uma opinião, sobretudo se esta for pública.

Mas se expressar é um direito constitucional – reservado às limitações da lei. Então, dizer todo mundo pode dizer e como tem muita gente dizendo muito e com certeza de tudo, nesta crônica eu decidi que nada tenho a dizer.

Escrito por Paiva Rebouças

Culpa | Capítulo VI

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