Sobre

Caminho

Por Natália Chagas

Adoro ir para Pangu, casa de minha mãe. É uma estrada tranquila para dirigir, bem sinalizada, com pequenos comércios de comida típica e artesanato pelo caminho, não muito cheia e a minha parte preferida sempre foi os quatro quilômetros de ponte em cima do rio na época da cheia. Quase indescritível, mas é como dirigir em cima da água. Dos dois lados, o rio toma conta de toda a região, e a água, em alguns pontos, chega a invadir a ponte. O barulho da correnteza gera uma certa calmaria enquanto vamos flutuando ponte afora. Nessa época, as famílias fazem pequenos passeios para as crianças poderem ver aquilo de perto, então os carros vão passando devagar em uma longa fila, que não pode parar de jeito algum. Há quem quer ver a beleza do rio, há quem quer usar a ponte para transitar normalmente. Nessa passagem, não há acostamento, o que torna inviável de qualquer um parar para ver de perto como o rio é limpo e sua água é clara, mas nas pontas da ponte há áreas de acampamento e piqueniques que lotam dando um ar aconchegante a todo esse universo.

Eu sei que é disso que eu preciso, atravessar a ponte. Tanto caos acontecendo ao mesmo tempo que nem me entendo mais. Troca de emprego, falência amorosa, tpm, mudança de casa são pequenas grandes coisas que me consomem por inteira. Preciso de paz, de tranquilidade para repensar todas essas coisas, me colocar em ordem novamente. Não me importo de chegar a Pangu para ouvir minha mãe amaldiçoando todas as minhas escolhas, preciso ir pelo caminho das águas.

Mala no carro, casa fechada, ligo o motor e vamos em frente. Vou selecionando os pensamentos da ordem do que posso resolver até tudo que perdi nos últimos meses. Tanta mudança que engoliu meu bom humor, estou me tornando uma mulher amarga com raiva da vida, isso tem que parar. Ainda na cidade, paro no último sinal antes de pegar estrada, ouço um barulho estranho dentro do carro como se fosse um pequeno chiado, penso que tenho que fazer uma revisão. Para isso, Chico era ótimo. Como sinto falta dele! Repenso nossas brigas, tanta coisa podia ter sido evitada. Enfim, foi o que tinha de ter sido. O chiado novamente e com o carro parado. Está muito estranho isso. Sinal verde, vamos seguir em frente.

Estrada aberta abre a mente, coloco uma música para distrair, canto junto. O chiado novamente. Vou ter que levar o carro no mecânico em Pangu mesmo. Não vai ter jeito. Só espero que ele não dê problema até lá. Já vejo a fila da ponte. Começo a ouvir o barulho da correnteza, uma alegria invade meu coração. O chiado veio mais forte dessa vez. Depois que entrar na fila, não posso mais parar. O carro não pode dar problema até chegar do outro lado.

Entrei na fila. O cheiro da água invade todo meu ser e me relaxa. A 20 quilômetros por hora, vendo a alegria de crianças olhando o rio, renasce em mim a esperança. O chiado fica mais longo e algo se mexeu debaixo do banco do passageiro. O que é isso? No chão, um vulto passa correndo para o banco de trás chiando esganiçado transitando de um lado para o outro debaixo do couro remexendo entre a espuma. Meu Deus! É um rato. Eu começo a suar, fico nervosa, e ele parece perceber e ficar nervoso também. Tento segui-lo com os olhos, sem perder a visão da estrada. Carro devagar bate com mais frequência que se imagina. E eu não posso parar. Não há acostamento. Se eu pelo menos conseguisse abrir a porta do carro para o rato sair, mas a porta não abre com o carro em movimento. O barulho diminuiu. Ele podia ficar parado no porta-malas até o fim da ponte, que aí cordialmente nós entraríamos em um acordo de ele ser livre e eu também. Mas, não. Ele se remexe novamente no banco de trás, chia, chia e aponta a cabeça no estofado. De repente, eu sinto algo debaixo do meu banco. Ele está debaixo de mim. O que fazer? Eu não posso parar. As crianças sorriem nos carros em volta de mim, ninguém vê meu desespero, ainda faltam 2 quilômetros. O chiado do rato avança aos meus ouvidos como som de uma ameaça, eu sinto na minha bunda ele estufando a espuma em movimentos circulares. Meus pés tem que ser mantidos na embreagem e acelerador. Eu não posso parar. Resolvo dar pequenos pulos para que ele saia debaixo de mim, e dá certo. Ele volta para o banco de trás. Falta 1 quilômetro. Ele sobe no banco, olha para mim pelo retrovisor. Ele não parece uma ameaça mais, parece assustado. Eu me acalmo. Vejo como também sou um rato assustado. Trato nos últimos 500 metros de descobrir o mundo em que estou presa. Acabou a ponte. Encosto o carro, abro a porta e, em segundos, ele sai.

Vou demorar um pouco mais para sair dos meus problemas, mas já sei onde estou.

O que posso dizer?

Grandes e admiráveis são as tuas obras, ó Senhor!