Por Clauder Arcanjo
O advogado Mateus se apresentou, enquanto seu Zequinha pedia que me sentasse:
— Creuza, é importante que haja uma relação de confiança entre vocês. Estou certo, doutor Mateus?
Mateus esboçou um sorriso; pressenti que, entre eles, havia um carinho mútuo.
— Vou deixar os dois à vontade. Se precisarem de algo, podem chamar por Lídia. Terei que sair, mas voltarei logo.
— Nem sei como lhe agradecer, seu…
— Não tem de quê. Esta casa é sua, e esta causa agora é nossa — Zequinha mal terminou de falar, e já ria do trocadilho inesperado.
Foi saindo, deixando-me a sós com o advogado. De olhar firme, cabelos escuros e rosto bem delineado, Mateus abriu a pasta, colocou um bloco e uma caneta sobre a mesa ao lado, indagando-me:
— O que pode me dizer, senhora Creuza?
Baixei a vista, sentindo-me tonta, como se o fato de falar mais uma vez sobre tudo que passei me torturasse. Um silêncio se interpôs entre mim e o advogado.
Ele se levantou e se aproximou de mim, perguntando-me:
— A senhora está bem? Aceita um pouco de água?
Pálida, pedi licença e me retirei; nada consegui declarar.
& & &
Entrei no quarto e me joguei na cama. Pensamentos, imagens, visões… coisas embaralhadas. Tentei me levantar, porém não consegui. Trêmulas, as pernas não me atenderam. De repente, num espasmo estranho, perdi os sentidos.
“Creuza… Creuza?!… Minha filha… o que houve… Está…”
& & &
Noite escura, uma voz, informando-me, num compasso lento:
— A sua vida não permitirá que se submeta às regras que não saiam de dentro de você.
Eu buscava de onde vinha tal fala. Abria ainda mais os olhos, nada. A escuridão era forte e ampla.
Pouco depois, ouvi. Agora em um tom macio, quase maternal:
— Não criei você, minha pequena, para ser indecisa. Vá em frente, o mundo precisa daqueles e daquelas que escolhem e constroem o seu próprio caminhar.
Enrolei-me com minhas próprias pernas, como se, imitando a posição fetal, aquilo menos me importunasse.
Senti alguém caminhar rápido na minha direção. Toc… toc… toc… Sobre um assoalho de madeira. De repente, parou. Percebi-lhe a respiração ofegante.
— O pior cansaço, amiga, é aquele que vem da espera. Ficar parada lhe fadigará ainda mais, isso ninguém suporta por muito tempo.
A carne ardia-me, numa febre sem causa definida. Os músculos extenuados, os ossos doloridos, a mente confusa.
Quis gritar, chamar por alguém, pedir socorro… Não pude, aquele estado sufocava-me a voz, e eu…
& & &
“Creuza… filha… Está… bem?…”
Ao abrir os olhos, seu Zequinha, dona Maria Djanira e Lídia junto à minha cama.
Um homem de branco preenchia um papel. Em seguida, anunciou:
— Passei esse remédio aqui. Um comprimido após o café da manhã, outro no almoço e um após o jantar. Sigam essa prescrição por uma semana. Qualquer alteração no quadro, avisem-me.
— E o que ela teve, doutor Artur? — quis saber Lídia.
O médico guardou o estetoscópio dentro da valise, olhando-me, como se eu tivesse a melhor resposta.
— Digamos que… Bom, o ideal é aguardar um pouco mais. O seu estado requer muito repouso, uma boa alimentação… E a medicação ajudará a melhorar o seu quadro clínico de um modo geral. E, uma última coisa: nada de emoções fortes, mantenham-na descansando por, no mínimo, uns bons três dias.
Levantou-se, despediu-se dos presentes e, antes de se retirar, dirigiu-se a mim:
— Outra coisa, minha senhora, ninguém é tão forte que possa enfrentar sozinho o mundo. Todos nós precisamos uns dos outros. Você, isso me deixa tranquilo, será bem cuidada. Nesta casa, eu sei, nada lhe faltará. Aqui o amor sempre nos foi a melhor das terapias, um infalível tratamento. Sua bênção, vovô! Bênção, vovó Maria! Um beijo grande, querida Lídia. Boa noite.
“Vovô? Vovó?… Mas…”
Quando fiz menção de dizer algo, Lídia já me deitava, afagando-me os cabelos suados pelos terrores que me haviam importunado.
— E você, queridinha, cuide de se aquietar! Ouviu o que doutor Artur falou, ouviu? Estarei aqui ao lado. Antes, vou lhe preparar uma sopinha, quase não comeu hoje.
Na janela, o clarão do luar de julho. Já era noite, eu perdera totalmente a noção do tempo.
“… ninguém é tão forte que possa enfrentar sozinho o mundo. Todos nós precisamos uns dos outros…”