Por Natália Chagas
Não tem como começar essa estória. Nunca saberei como vai terminar. Estou indo embora sem Fátima mesmo tendo insistido. Mas ela nada diz. Fica do lado daquele homem sem explicação qualquer.
Desde o começo de sua vida, Fátima é algo sem explicação. Sua mãe falava e ela obedecia sem contestar nem mesmo com a testa. Apanhava sem gemer, trabalhava sem receber, não discutia, não questionava, abaixava a cabeça e começava: “Ave Maria, cheia de graça. O Senhor é convosco. Bendita sois vós entre as mulheres, bendito é o fruto de vosso ventre, Jesus. Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém” Três vezes ela sussurrava, e a raiva passava, a dor acalmava, o coração partido perdoava. Não há pessoa que não sucumba às orações de Fátima. Só conhecendo para ter noção desta força.
O pai a vendeu muito cedo ao fazendeiro que tinha o único filho doente. Fátima ficou quatro dias no pé da cama da criança sem comer ou beber água. No quinto dia, Elisberto levantou da cama completamente sanado da doença que os médicos não entendiam, não diagnosticavam e determinaram sua morte. No sexto dia, à Fátima foi dado um muito obrigado, já pagamos seu pai, volte sempre e aquele é o caminho da cidade mais próxima. Andou bêbada de cansaço, desidratação e anemia até Camatã. Pisou na cidade, desmaiou e foi levada até a igreja onde as beatas se dividiam entre ‘vamos cuidar dela’ e ‘deixe que morra. É só mais uma rapariga’. Ainda assim, Fátima se reergueu em sete dias.
Percorrendo a cidade, se deparou com Juvêncio, o pior homem já existente. Matar era a primeira opção, a segunda era perguntar o nome. Ela sentou de frente para ele, e em sua segunda Ave Maria, Juvêncio já tinha colocado Fátima debaixo do braço pela cintura como se fosse uma mala velha.
Aprisionou Fátima dentro de casa, lhe fez seis filhos, um por ano, lhe fez de cozinheira, arrumadeira, saco de pancada, prostituta e mãe em sete anos juntos sem se separar um dia que fosse. Ninguém mais ia na casa de Juvêncio como era antigamente entre festas e orgias. Nem mesmo jantares ou comemorações familiares ele permitia.
Entrei naquela casa e conheci Fátima por duas razões: sou mulher e médica. Juvêncio tinha que me colocar lá dentro porque alguém tinha que cuidar da saúde de seus filhos. E homem algum colocava os olhos em Fátima.
Previsão de futuro nunca foi sorte dos humanos. E todos aqui somos muito humanos. Principalmente Juvêncio com todos seus temores e aflições que nem mesmo ele sabe do que se trata.
Quando a vi a primeira vez, tão mirradinha, achava que iria quebrar como graveto seco. Miséria de pessoa. Um fiapo realmente. Não dava nada por ela, e quase a confundi com uma das crianças tão juvenil parecia. Mas era a mais próxima de um físico adulto entre os sete na sala. Juvêncio havia ido para a roça sem hora para voltar. Olhei criança por criança, vacinei, mediquei e vi que eram crianças muito bem tratadas. Fiquei aliviada em poder dar essa notícia para o conselho tutelar, que havia me pedido uma avaliação já que todos lá eram recebidos à bala. No fim, perguntei:
– E você?
– O que tem eu? – Respondeu baixinho e doce Fátima.
– Vamos fazer um check-up, um preventivo.
– Precisa, não. Tenho Nossa Senhora Aparecida bem aqui. – Apontou do lado de seu ombro. – Não tem doença que me pegue. Lhe juro.
– Tá bom.
Não quis insistir naquele dia, já estava cansada. Mas eu sabia quais eram os dias que Juvêncio saía sem hora de volta, então eu ia lá com a desculpa de rever um paciente ou outro, às vezes com uma nova orientação sanitária como subterfúgio para ver Fátima novamente. Seu jeito ingênuo, serelepe, quase infantil foi tomando meu ser de encantamento. Me sentia cada vez mais íntima daquela bolha magnética. Era isso: me sentia um ímã sem ter como fugir daquele fascínio que se tornara uma atração que eu não conseguia mais conter. Já na hora de ir embora, ao abraçá-la, me segurei mais forte em sua cintura e senti uma lágrima descer como se fosse uma despedida. Ela me devolveu o forte abraço, saiu dos meus braços de cabeça baixa, segurou em uma de minhas mãos, me guiou até o quarto, trancou a porta sem me olhar no olho. Tirou o vestido, sem calcinha ou soutien, tirou com cuidado a minha roupa, me guiou até a cama, deitou-me e iniciou lambendo meu clitóris lentamente de dentro para fora e chupando como pequenos beijos sugadores. Sua língua ampliou até o prepúcio e fez tremer em pequenos choques minha perna. Atiçando toda boca, Fátima abria e fechava meus pequenos lábios em um movimento circular rítmico que fez endurecer os meus seios e iniciar flashes dentro do meu cérebro. Ao lamber de forma voraz do meu ânus até a minha buceta completamente encharcada, vi nitidamente, por um segundo, uma imagem plena com manto azul ao meu lado. Todo meu corpo se debatia em choques e tremores.
Ao abrir os olhos, Fátima estava, já vestida, sentada em uma cadeira do lado da cama, olhando para baixo. E disse:
– Agora você deve ir. Não olhe para trás.
Ela saiu do quarto. Coloquei minha roupa. Saí do quarto. Ela mexia o feijão para janta. Pedi para ela vir comigo. Iríamos para outro lugar. Ela disparou em seu sussurro à Nossa Senhora. Meu coração entrou em paz profunda.
Agora estou eu aqui. De malas prontas. Sem saber como amar (e como não amar) uma mulher.