Sobre

Despedida

Hoje me despeço de ti, de mim. Sem acenos medíocres, nem beijo nas bochechas rosadas, as suas ou as minhas. Adeus também não levará na sua memória, nem seu adeus a mim, nem o meu a mim mesma. Prefiro esta metamorfose de delícias que sinto, que tenho, que fantasio e que poderei nunca esquecer.

E hoje minha máscara me caiu bem, esta máscara que não é um mero adereço, ela disfarça minhas cicatrizes, minhas lágrimas escuras. Não esquecerei de ti, nem você de mim. Esta transformação de um ser em outro, de mim em você, de você que carrego em meu balaio térmico, todos seus deleites estarão nele, e de alguma forma estarei em você, talvez presa numa caixa fosca de papelão, estarei nela mesmo assim, cintilada, etérea.

Estarei num purpurinado colorido, com letras soltas, recitando poesias pra você, sim, de algum lugar ainda não definido. Estarei em ti, tenho esta certeza, de alguma forma miúda, estarei envolvida em teus braços, no meu desassossego, na minha inquietude perversa, nas minhas manias de só querer. E esse amanhã que nunca chega, sim o dia da minha partida, da despedida nua e crua, sinto um monte de coisas, sinto uma foice me cortar a garganta, sinto o sangue quente descendo pelo pescoço. Hoje me despeço de ti, agora já é o amanhã que nunca almejei, sem fingimentos, sem delícias, deixo-te.

Deixo-te, nossos elos se partem, deixo uma parte minha, uma parte invisível e você, fica um pouco em minhas poesias afiadas, as perversas que saem da minha boca. Minha boca que tanto mordestes. Hoje me despeço de ti, na verdade não querendo ir, mas a parte de mim, a que me domina, esta outra parte, errante e indiscreta, que se apoderou do meu lado fraco, esta parte quer sair, fugir, ir. Estou indo querendo ficar.

Aproveito este dia, que já é noite, celebrarei meu ritual, esta volúpia ardente e irei, irei por aí feito um avoante de asa partida, faltando-me penas. O baile de máscaras continua, eu num ápice esfumaçado, parto. Parto “sem eiras e beiras”, estros, restos e fadigas. Sigo por um caminho que não se vê, não se pode ver e trilhas estreitas, um chão impregnado de cinzas, de ossos pontiagudos, de mortos.

Sem beijo doce e quente na face ou nas mãos. Hoje me despeço de ti, na verdade de mim, porque minha máscara de hoje não teve serventia, Ela me aguarda no final da festa, sua fantasia a mais bela da noite, Ela me ronda, me espera, me envolve no seu perfume barato, a morte.

Escrito por Sulla Mino

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