Sobre

Sobre os incansáveis ´fiscais de qualidade musical` da internet

Polícias Militar ou Civil? Ibama? Idema? Receita Federal? Esqueça tudo isso. A instituição com maior rigor em fiscalizar no Brasil atualmente é formada pelos amantes da música de qualidade. Gosto não se discute. Para esse pessoal, se discute, sim. E de forma bem intensa, quase sempre nas redes sociais dos incautos que postam — na visão xiita deles — música de qualidade duvidosa ou ruim.

Não que sejam más pessoas. Quase todas têm coração grande e são uns amores na vida real, eu mesmo sou amigo de várias delas. Enfim, são ´de boas`. Desde que não mexa com “qualidade musical”. Neste ponto o extremismo delas é bem grande: não se limitam a não ouvir o que não consideram ´boa música` e com frequência invadem as redes sociais alheias para dinamitar o ecletismo musical dos outros.

Por diversas vezes postei textos com citações de letras de Anitta ou Pablo Vittar. Não demora 5 minutos e lá vem a patrulha: “Ah, Cefas, isso mão é música”. “Pelo amor de deus, como é que você pode citar este tipo de artista?”. E tem o pessoal comparativo: “Porque citar Anitta e Pablo Vittar se você tem Belchior, Vinicius, Chico, Caetano e Gil?”. Pois é, para eles só posso enfatizar um aspecto ou fazer um contraponto em um escrito meu se citar letristas consagrados na MPB. Talvez queiram que para falar de gênero e sexualidade nos anos 2020 eu pegue uma letra de Dolores Duran. Ou para citar a periferia de São Paulo eu use letras de Carlos Lyra. 

Tem também os nostálgicos românticos. Experimente publicar uma banda de rock nova (o que faço com frequência por indicação dos meus filhos Pedro e Ananda): “Ah, mas não se compara às bandas da nossa época”. Leia-se ´nossa época` como a época que o autor da nostalgia era adolescente. “Naquela época as canções eram realmente boas”, desabafa, citando Queen, Yes, Legião Urbana, Titãs, Plebe Rude. Todas ótimas e amo cada uma das citadas. Mas o pessoal se esquece que além dessas também haviam centenas de outras bandas ´exóticas` como Gengis Khan, Doutor Silvana etc. Entre EUA e Inglaterra uma outra leva de bandas duvidosas de um hit apenas. Para os nostálgicos toda a música feita ´na nossa época` é do padrão de ´Bohemian Rhapsody`.

Tem os gourmets de letras também. “Poxa, Cefas, as letras antigamente eram boas de verdade”. Mas a verdade é que muito fã de rock não tem a menor noção do que dizem muitas das letras cujas músicas eles amam. As letras de Axl Rose, do Guns N’ Roses, como “Sweet child O’ mine” e “Don´t cry” são padrão poeta de 14 anos rabiscando versos no recreio. Temos também o clássico ´Holiday` da banda Scorpions: “Deixe-me te levar para longe. Você adoraria tirar umas férias”. E só isso. A letra inteira gravita no cara chamando a moça para tomar sol em uma praia.

Enfim, gosto musical não se discute. Contextos também não. O que pode ser discutido é essa nostalgia eterna de uma parcela das pessoas de uma música, uma época, um tempo, um mundo, que passaram. Que não existe mais, porém eles querem ´resgatar` através da música. Como cantou Lulu Santos (olha aí, letrista dos anos 80/90): ´Tudo passa, tudo sempre passará`.

Escrito por Cefas Carvalho

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Carregando...

0

Bullying

O SONHO