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Paulo Leminski Neto e Salvadores Dali reinventam a dor de Leminski

Foto: JMoraes

A extensa obra literária de Paulo Leminski, frequentemente lembrada e imortalizada em homenagens, teses acadêmicas e produções artísticas diversas, ganha mais um capítulo, desta vez, porém, com profundidade genética. Revelado como filho legítimo do autor brasileiro pelo jornalista Toninho Vaz, em 2001, na biografia “O bandido que sabia latim” (Ed. Record) – na época, lançada pela Editora Nossa Cultura e que enfrentou reações da família do poeta paraense, chegando, inclusive, a ficar fora do mercado por anos – o músico curitibano Paulo Leminski Neto retoma suas verdadeiras origens e, com o grupo carioca Salvadores Dali, lança uma nova versão de “Dor Elegante”, originalmente musicalizada por Itamar Assunção nos anos 90 em cima de letra do poeta, e mais tarde gravada por Zélia Duncan e Chico César, dentre muitos outros.

Para consagrar esse inesperado encontro com o filho do poeta tão popular na década de 80, os Salvadores produziram um videoclipe musical, filmado na Biblioteca Parque Estadual, no centro do Rio de Janeiro. Para a produção também ser elegante, capturaram influências de alguns clássicos do cinema cult, tais como em obras de Godard e Wenders. O clipe conta ainda com a participação da cantora Nay Duarte atuando como modelo. O lançamento foi no dia 24 de agosto, quando Leminski faria 78 anos de idade.

Nos idos da década de 80, o poeta curitibano Paulo Leminski era a maior influência nas letras da banda de adolescentes que mais tarde daria origem aos Salvadores Dali. Pois é, mas esse mundo dá muitas voltas, e o grupo carioca nunca imaginaria que, mais de 30 anos depois, uma amizade tão forte dos músicos se formaria com o primogênito do poeta da loucura lógica que tanto os influenciou. Aliás, nem o próprio filho sabia dessa sua descendência afinal descoberta tardiamente. O fato é que Paulo, depois de voltar recentemente de Curitiba, com certidão de nascimento retificada, se hospedaria no Rio de Janeiro justamente na casa de Nelson Ricardo, compositor dos Salvadores Dali. Desse encontro é claro que rolaria muita música – Paulo foi vocalista de “Robertinho do Recife e Metalmania” e “X-Rated”, abrindo shows do “Faith no More”, “Korn” e “Quiet Riot”. Como coincidência pouca é bobagem, os Salvadores justamente naquele momento se encontravam sem vocalista.

Assim, imediatamente a interação musical se expandiu para um novo projeto do grupo: refazer Dor Elegante como música, abandonando a composição original de Itamar Assunção, propondo nova melodia e harmonia e explorando novos horizontes para a antiga poesia. O toque final seria a inserção de um Rap com letra de Leminski Neto, bem no meio da nova música. Desse modo, com um pop rock mais contemporâneo, eles conseguiram fazer uma nova subversão, conceito que a banda criou para definir suas versões iradas de composições não autorais. Vamos lembrar que eles já fizeram isso com Noel Rosa, durante o primeiro ano da Pandemia, e depois com “Bella Ciao”, que viralizou em setembro 2021.

“Mas dessa vez seria um desafio ainda maior”, afirma o guitarrista Marcio Meirelles, “afinal mexer com a conexão melopoética de uma canção já consagrada poderia ser considerado um sacrilégio ainda maior do que apenas fazer um novo arranjo. Além disso saímos de nossa zona de conforto que era o rock dos anos 80 e mergulhamos num som bem mais contemporâneo.”

E não fica só nisso. “O tema da letra também foge completamente do humor registrado no EP de Noel dos Salvadores, ou da rebeldia revolucionária que eles encontraram em ‘Bella Ciao’”, lembra Paulo Leminski Neto, atual vocalista do grupo. “Em Dor Elegante, o grupo mudou radicalmente, passou a lidar com um universo denso. É a poesia do gênio adoecido e que, apesar do sofrimento, não renuncia à potência, à sobriedade, e ao vitalismo. Não se trata, portando, de esconder a dor, como faz a geração do Instagram, mas apesar da dor, ser capaz de continuar heroicamente seguindo a vida.”

Nessa linha, a letra genial já se inicia com grandes paradoxos:

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Como se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Afinal como é possível a elegância na dor? Como alguém chegando atrasado pode chegar mais adiante? O baixista Jorge Moraes responde citando Deleuze: “É possível ser rápido, mesmo parado”. Explica ele, “na dor e no sofrimento pode-se alcançar territórios subjetivos nunca antes vividos. Muitas vezes, quando somos conduzidos pelos ritmos acelerados e pelas exigências da vida moderna, não nos damos conta dos acontecimentos imperceptíveis, de detalhes aparentemente insignificantes, mas que nos possibilitam enxergar mais adiante. O vazio desse nosso tempo nos leva a um ritmo cada vez mais veloz, no qual tentamos inutilmente preencher algo que sempre vai permanecer incompleto. Mas a dor elegante nos mantem o foco, sendo capaz de nos preencher e desacelerar, de nos deixar mais atentos ao que é de fato importante. Tivemos muitas perdas durante essa pandemia e já é hora de termos aprendido algo com essa dor da perda. Precisamos desacelerar enquanto civilização e cuidar do que é mais importante: das pessoas que amamos, do planeta e da vida. Essa canção seria uma obra de reflexão após a pandemia” conclui o músico.

Link do videoclipe definitivo bit.ly/dor_elegante 

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