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Mundo real

Por Natália Chagas

Ele era o novo ginecologista da cidade. Pronto para o atendimento sob qualquer circunstância. Era novo na profissão e queria mostrar seu trabalho e ser reconhecido por isso da maneira mais ampla possível. Queria ter o reconhecimento do prefeito que abriu as portas daquela cidade pequena que girava em torno da BR que por ali passava. Aliás o que mais lhe chamou atenção foi o fato de toda a economia da cidade girava em torno dos transeuntes caminhoneiros que circulavam por ali.

Mas ele não tinha com o que se preocupar. Ele era o ginecologista da cidade. A obrigação dele era com a população doméstica. Assim acreditava.

Até que um belo dia, uma mãe marcou um horário para a filha de 12 anos. Ele, recebendo as fichas da secretária e a programação do dia, achou muito progressista uma mulher naquelas redondezas próximas do fim do mundo trazer ao ginecologista uma criança em início de desenvolvimento hormonal para uma consulta. Ao dizer isso para a secretária, ouviu uma sonora ironia através de:

– Sei…

E ainda seguido de um olhar descrente que fez com que o jovem médico se sentisse ingênuo.

Mas seguiu em frente com seu dia, ainda ansioso por aquela consulta.

Ao chegar no fim da tarde, eis que chega a mãe e sua mirrada filha, quase no meio das pernas da mãe de tão pequena e envergonhada. Sentou-se na frente do doutor, e com olhos caídos e meio transtornados, vermelhos e secos, descreveu um quadro sobre a menina, que instigou o recém-formado a fazer alguns exames iniciais e retornou com as duas para a sala de atendimento trazendo notícias:

– Bom, senhora, inicialmente, devo dizer que para meu espanto, sua filha aparenta grávida.

Como um surto desesperador, a mulher explode em gritos e tapas na menina:

– Eu falei pra aquele desgraçado que eu estava vendendo apenas seu boquete. Sua virgindade valia mais do que 50. Era pra ser, pelo menos 100. Como você pôde entregar pra ele de mão beijada desse jeito? Sua vadiazinha de merda!!

O médico tomado por um susto imenso, congelou suas reações, paralisando qualquer movimento, ainda enxergou a menina pulando sobre sua mesa,  puxou seu abridor de cartas e expôs o gume na garganta da mãe aos gritos:

– Você me fez assim! Dei porque era meu e quis. Você me vende para um caminhoneiro qualquer, leva o dinheiro daquilo que quebrou meu dente, bebe ele todo e não quer que eu ganhe nada com isso. Pois te digo que vou ganhar o prazer de cortar tua garganta, sua cafetina de uma figa.

O médico, com uma calma que não sabia de onde tirar, virou pra criança e disse:

 – Moça, não tenho nada com isso. Peço que se acalme e não me envolva nas suas questões de família. Abaixe o estilete que te atendo sem maiores danos a mais ninguém.

A menina, lentamente, abaixou a arma. As duas mulheres se olhavam com fúria. O jovem, com mãos trêmulas. chamou a secretária. Passaram os procedimentos para acompanhamentos da gravidez. E a secretária soltou:

– Bem vindo ao mundo real, doutor. Aqui estamos todos incrédulos e vivos.

Por que choras, Rogério Marinho?

Kelps Lima