A noite hoje está estrelada e sinto que algo me toca, que algo me preenche, este momento rápido de mim e somente de vez em quando isto acontece, um frenesi.
E esta é uma noite de excessos, de instantes sem graça alguma, de vazios queridos, mentiras serenas demais, tudo sufoca, minha face está pálida. Tento entender estes pequenos abusos insanos de mim mesma, meus contos mal contados, meus gestos de sofreguidão e loucura, de um Eu fora de mim.
Ecos suaves invadem meu quarto, estou acordada e posso ouvi-los, posso me ouvir também, meus gemidos tolos. Ecos desconhecidos, frios e ocos, apenas ecos. Talvez, estas estrelas de hoje queiram intimidar meu sonho diário, um sonho absurdo que me aparece toda noite, que me corta a garganta, um pedacinho de mim, de minhas histórias verdadeiras, cortam de mim o nó feito e bem atado dentro de mim, me atordoa e pela manhã, é como se nada tivesse acontecido, feito fio partido de minha insônia.
Mesmo assim, ainda tento pelas manhãs cantar, dançar, escrever poesias, soar uma vida normal, respirar. As estrelas já são minhas amantes, nesta insônia que nunca vai embora e embora eu tente não sofrer, minhas vontades frias se apoderam de mim, não consigo dormir. Temo ser apedrejada no fim de cada dia.
Tomo-me em meu pleno silêncio e desespero, sinto-me dentro daquele espelho quebrado do banheiro, refletindo muitas de mim, cacos poucos. Não me aflito com a visita da morte, esta morte lenta e imbecil. Hoje estou rouca, farta dos meus próprios palavrões, até dos sussurros vastos e esquisitos, das porcarias pensadas por mim, as estranhezas pintadas na parede, meus rabiscos infantis.
Meus olhos estão bem abertos na escuridão do meu próprio dia, torno-me livre um pouco antes de amanhecer, antes de ter sonhos preguiçosos, antes de ser mansa. Sinto apenas agora um colírio que arde os olhos mal dormidos, queima por dentro e por fora.
Desencadeia minha corrente de imaginação, não mais me crio, não consigo esconder que estou me desfazendo, cortando o elo que me mantém aqui, por aqui inteira. Minha praia imaginária está deserta, muitas conchas, ondas, brisa mansa e gélida. Já não poderei fazer minhas entranhas transparentes e consertáveis. Sou apenas uma Maria. Apalpando minhas palavras miúdas, minha despedida.
A ampulheta está no seu tempo corriqueiro. Estou morrendo devagar numa linda noite estrelada. Queria mais tempo, tempo de um relógio moderno, tempo para um tic tac de segundos.