Era uma tarde daquelas em Mossoró em que a quentura faz você desmarcar compromissos. Mas, para um bom mossoroense, quem está na quentura é para se queimar. E lá fomos bater um papo com o artista multifacetado, em seu ateliê, apertadinho devido ao número de artes espalhadas. Nas paredes, pelos cantos, em cavaletes, cadeiras… Airton Cilon nos recebeu com aquele sorrisão e humildade de um grande lutador. Um mossoroense que nasceu, segundo ele próprio sabendo das grandes dificuldades que na vida, pois já chegara ao mundo por intermédio de um parto a fórceps: “Eu não queria nascer. Graças à minha avó e ao doutor Maltez, já falecido, um dos fundadores da Maternidade Santa Luzia, é que estou aqui contando as histórias dessa vida, que foi sempre muito complicada para mim. Ontem mesmo estava assistindo aos vídeos do Henfil, um dos caras que mais admiro, assim como o irmão dele, o Betinho e o Chico Mário. Esses três personagens tão significativos para a história do Brasil, eles tinham em comum um distúrbio sanguíneo, que é hemofilia. Deficiência de fator de coagulação. Eu sou hemofílico também, então, eles viveram todo esse período de ditadura militar e as dificuldades com o problema do sangue, que causa hemorragia. Caso você sofra um corte ou sofra uma pancada, uma lesão interna, um inchaço, isso traz dificuldades para as pessoas que têm esse problema, essa doença. E eles foram os personagens, guerreiros, lutadores, principalmente o Betinho, que tem uma história belíssima de luta, de resistência. No aniversário do golpe militar eu estava vendo aos vídeos, as cartas do Henfil para a mãe dele que com certeza quem é jornalista conhece toda a história do Henfil. Seus cartuns… Um cara muito famoso, que morreu aos 44 anos, vítima da Aids, quando a doença começou a se espalhar pelo mundo e não tinha controle sobre. Devido os hemofílicos também precisarem de eventualmente receber uma transfusão de sangue, todos os irmãos foram contaminados, os três vieram a morrer vítimas da Aids. Chico Mário, que era violonista, o Henfil, cartunista, humorista e escritor, e Betinho, sociólogo que foi o pai dessa coisa hoje que se chama ‘Bolsa Família’, ‘Bolsa Escola’. Ele que iniciou aquele programa contra a fome, a favor da cidadania e contra a fome, um embrião de todos esses movimentos sociais. Então, para mim, esse pessoal é exemplo de inspiração. Não só para mim, mas para muita gente, né? E eu como artista que sempre lutei para conseguir espaços”.
No tocante ao seu início nas artes plásticas, Cilon diz que o despertar pela arte se deu por intermédio de um tio artista plástico, e também hemofílico, que morreu em 1992, vítima de meningite. “Antônio Tomé da Silva era natural de Mossoró e viveu em Aracaju. Como era contagiosa, a gente não chegou nem a vê-lo. Ele pintava e vendia os quadros na praia, mas a principal atividade dele era servente de pedreiro. Eu admirava ver ele pintando, daí isso me deu inspiração. E foi muito depois dessa fase que comecei a rabiscar, desenhar. Mas nunca tive nenhum curso com ele ou coisa parecida. Só despertei mesmo quando minha família se mudou para o Pernambuco. Me interessei mais pelo desenho. Copiava revista em quadrinhos. Depois fiz um curso pelo Instituto Universal Brasileiro, na época era um curso por correspondência, para aperfeiçoar a parte técnica de sombreamento, essa coisa toda de luz, profundidade, para ter uma noção mais técnica do desenho, que eu não tinha. Eu também não me considero um grande desenhista porque eu não me aprofundei nem me dediquei aos desenhos, gosto mais é de pintar, pegar uma tela e jogar a tinta. Pintar. Tudo isso foi de forma intuitiva, sem nenhum curso para pintura, como um autodidata”.
Nas paredes, a arte do artista é uma mistura de estilos. Expressionista, fotorrealista e figurativa. Mostra ainda a busca do artista pelo caminho próprio. “Gosto do realismo, paisagem, natureza… Fui aprendendo com o tempo a dominar a minha própria técnica. E hoje eu tenho uma identificação, tenho uma marca, já consigo dizer que tenho um estilo, as pessoas já reconhecem o trabalho só pelo estilo de desenho e de pintura que eu criei.
Quando foi sua primeira exposição?
A primeira exposição que eu fiz foi em 1996, no Sesc. Meus primeiros quadros, tudo muito acanhado, aquela coisa sem muita técnica, sem muita noção para onde eu iria dali. Naquela época eu fui inspirado, empurrado por um primo meu que comprou as telas e incentivou. Aí eu fui quebrar a cabeça, fazer sozinho, sem nenhuma orientação, pois até o meu tio que pintava havia morrido. Mas eu peguei alguns quadros dele e usei como referência. E foi assim que tudo começou. E lá se vão umas quinze exposições entre coletivas e individuais. Graças a Deus, tenho um nome, as pessoas me conhecem, a imprensa toda de Mossoró me conhece, porque saí em matérias em todos os jornais impressos da cidade.
Cilon, além de artista plástico, também é músico e canta na noite mossoroense. A música é uma paixão que chegou da mesma forma que a pintura. “Veio da forma, assim, eu não fui atrás (risos). Não existia aquela coisa de querer ser músico, aprender violão… Eu gostava de música e foi um irmão meu quem primeiro comprou um violão para aprender, comprou em sociedade com outro amigo. Aí o violão ficava na casa de um, depois na do outro, foi quando minha mãe falou que era para deixar isso de ‘ficar para lá e para cá’, um chafurdo com o violão. Aí depois ele comprou um outro e mais a sociedade do amigo, ficando com dois, e me vendeu um. Depois foi me passando os acordes básicos para a construção harmônica”.
O artista lembra que o irmão o aconselhava a ficar treinando em casa, fazendo as notas no braço (estica o braço para demonstrar as notas musicais) para não esquecer a posição dos dedos entre os trastes. “E foi assim que eu fui pegando as primeiras músicas, mas sem nenhuma pretensão de querer tocar na noite, e somente para diversão, fazer uma brincadeira com os amigos”.
“A maioria dos artistas que faz barzinho aqui tem um trabalho paralelo. Poucos vivem da arte.”
E se tonou seu segundo ofício, né?
Isso. O carro-chefe. Essa história do violão se deu mais ou menos no ano de 1995. Morei também perto de um rapaz que tocava muito bem violão e guitarra, e foi para mim grande inspiração. Mas essa coisa de tocar na noite veio também por acaso, quando eu frequentava os bares dos amigos. Certa vez, quando Rogério Dias reabriu o Chap-Chap, tinha muita gente dando canja, e me convidaram. Até reagi contrário à ideia. Mas acabei indo, mesmo com as poucas melodias que ensaiava. Mas começou aí, depois voltei com mais músicas no repertório, 10, 15, 20 músicas. Daí a pouco Rogério Dias já estava me chamando para cantar, “fazer a noite”. Me dava lá um cachezinho no final e foi onde eu comecei a desasnar — como dizia a minha avó — na música e tocar na noite. Porque isso ainda era totalmente estranho para mim. Microfone, violão elétrico, nem isso eu tinha. Pedia emprestado aos amigos. E quando o Chap-Chap de Rogério fechou, fiquei meio órfão. Até porque já via que aquilo dava um dinheirinho pra mim. Decidi continuar. Fiz um empréstimo, e comprei um violão. Foi a partir dele que comecei a buscar espaços para tocar.
Pergunto se em uma situação extra-pandemia o artista consegue viver da arte em Mossoró. É categórico no Não. “Não. Definitivamente, não. A maioria dos artistas que faz barzinho aqui tem um trabalho paralelo. Poucos vivem da arte. Mas para viver de arte, tipo Marcos Augusto, tem que ‘se matar’. Tem músico que toca três vezes em uma mesma noite, no mesmo dia. No sábado, por exemplo, tocam duas, três vezes, até quatro se ele quiser fazer uma grana razoável, tipo R$ 400. Porque o que se paga hoje em dia em Mossoró é uma miséria, congelada. Porque não existe uma associação, não existe um sindicato, não existe nada. E os músicos estão aí, cada vez mais gente botando o violão debaixo do braço e indo à luta. Além dos músicos que tocam e cantam, ainda existem aqueles que cantam em cima de playback, que estão ganhando também dinheiro. Aqui na praça mesmo, quando eu tocava no bar, hoje quem toca lá é o pessoal do playback, botam um forró, uma playlist e canta em cima. E ganham do mesmo jeito. Temos também essa concorrência”.
Uma associação em um momento tão difícil como o de agora seria a redenção dos artistas, para tomar um fôlego?
Se fosse organizado, sim. Em grandes cidades as associações, sindicatos colocam um cachê fixo. Tipo R$ 400, R$ 500. Então eles pagam isso. Aqui não, é negociado com o dono do bar. “Eu pago R$ 100, só posso pagar isso”. A desculpa agora é a pandemia para o baixo valor. A desculpa em 2015 era a crise. Ficou congelado nos R$ 100. Para quem só vive disso, que só tem seu violãozinho para levar comida para casa, tem que se sujeitar a tocar, porque se não for aparece outro que faz. Conversando com o amigo Jonas, cantor experiente aqui em Mossoró, ele me disse que faz isso, que aqui é uma miséria, os locais onde você toca ainda por cima não têm um som de qualidade, é uma caixinha só, sem mesa, sem nada. Sem condições de trabalho. Isso desestimula. Por isso eu tenho meu próprio equipamento.
Mas o que daria mais prazer a um artista que divide o amor entre pincéis e melodias? Nosso artista não consegue apontar para um lado. “Eu não consigo classificar o mais ou o menos porque acho que a música sempre esteve na minha vida, porque eu sempre gostei de cantar ouvindo rádio, cantando todas as músicas com meus artistas, autores, que eu gostava. Quando eu escutava a Mais Bela Voz, da Rádio Rural… Eu era doido por aquilo, ali nos anos 80, ficar ouvindo até o final. E me imaginava cantando lá. Até que aconteceu, cheguei a participar no ano de 2007. Fui até a uma das semifinais, quando cantei no teatro, uma canção do Raul Seixas. E 2008 também cantando uma música da Legião Urbana. Um amigo, que era jurado, disse que eu cantei muito bem, mas não fui classificado. Talvez por ser um rock. Não sei. Acho que pela música não ser aquela MPB clássica… Tem dessas coisas, né? Mas, pelo menos realizei meu sonho”.
Cilon, você tem produzido durante esse isolamento?
Não tanto quanto eu gostaria. Tenho comprado telas para pintar, eu quero acumular aqui e pintar de branco, deixar prontas para tinta porque eu pretendo fazer alguma coisa pós-pandemia, fazer uma exposição. E vou pendurando nas paredes. Não sei se é por causa da pandemia. Mas também não é bloqueio, é falta de coragem mesmo, de amanhecer e ficar ali o dia todo pintando. Às vezes começo a pintar e deixo o quadro lá, risco uma tela para amanhã, e acabo não começando. Falta aquele impulso para dizer “vou pintar dez quadros este mês”. Mas, já tenho um começo de uma boa exposição, só faltava mesmo acrescentar algo para fechar, mas a ideia é fazer. Eu gosto de planejar com calma.
A pandemia teve esse custo na saúde mental?
Pois é. Fico vendo um filme, procuro algo para assistir, vejo blogues, umas coisas na internet, fazendo pesquisas, mas sem vontade de pintar. Essa falta de vontade pode ser por questões físicas, pois nem sempre estou bem para pintar. Mas vejo que quando eu posto minhas artes na internet as pessoas gostam. Tenho que criar uma página só de pinturas e postar os quadros para venda, tem muita gente comprando. Já que não temos mais a lojinha aqui na praça de convivência, está fechada devido a essa questão toda da pandemia. Mesmo assim, quando estava aberta, as vendas eram muito fracas. Venda de arte em Mossoró é muito difícil, muito fraca. Você faz um quadro e o cara pede um preço menor? Você leva a vida toda pintando e vem uma pessoa querer um menos, como se tivesse comprando uma calça, uma camisa. E não é. E o valor artístico da obra? Ele acha que gastamos só com o material, como estivéssemos fazendo aqui uma cadeira. Enfim, colocar isso na cabeça das pessoas é muito difícil. Hoje mesmo vi um pintor que é nômade, que mora em Mossoró, postando nas redes sociais que vende um quadro a R$ 50. Um quadro grande. Acho que coloca esse valor porque sabe que não tem quem compre. Claro que ele usa um material ruim. Esses artistas de praia usam látex e bisnaga. A tela ele mesmo faz, o que barateia o custo, mas o retorno também é pequeno.
“Você faz um quadro e o cara pede um preço menor? Você leva a vida toda pintando e vem uma pessoa querer um menos, como se tivesse comprando uma calça, uma camisa.”
A arte nesse contexto não tem valor, né?
Exatamente. O lucro é muito baixo, vai ganhar o quê? De R$ 50, talvez o lucro seja R$ 20. Porque o resto vai ser o material que ele gastou. Então é isso, os artistas fazem cada vez mais barato. A não ser que seja um artista renomado, com estilo próprio, você tem que saber valorizar o seu trabalho — eu mesmo tenho que aprender também. Muita gente acha meus quadros baratos. Mas mesmo baratos está difícil de vender. Agora, se você pega um artista como Careca, aí a madame vem lá e paga um quadro a R$ 2.000, R$ 3.000. Ela vai lá e compra “porque eu tenho um Careca em casa”. E Careca não é o artista que tem um estilo, ele é comercial, tipo aquele cara lá do Pernambuco, o Romero Brito. Ele criou uma marca que simplesmente coloca em tudo quanto é canto, caixa de bombom… Tudo é uma coisa só. Ele é mais um designer do que um artista, porque tudo segue uma mesma linha. Não tem nada de novo. Ele é um grande marqueteiro, isso é ser um cara inteligente. Então Careca é esse cara inteligente que soube dominar uma classe. Em Mossoró tem a lei que cada prédio deve ter uma obra de um artista local. Quem é esse artista local mais chamado? Careca. Porque ele conhece a lei, tem contato com o pessoal da prefeitura. Tem o nome dele lá, o nome dele está lá na Secretaria de Urbanismo. Uma vez nos juntamos com uma associação de artistas, a gente se organizou para botar o nosso nome lá também. Quando chegamos a moça perguntou se Careca estava sabendo? Quer dizer, o nome dele era exclusivo lá. Hoje temos outros nomes que conseguiram transpor essa barreira, como Nôra Aires, Marcelo Amarelo, Guaraci Gabriel. Temos outros artistas, mas são poucos que têm acesso a isso. Uma grande injustiça, falta de democratizar a arte em Mossoró. A própria prefeitura não conhece os artistas da cidade. Só sabe quem é poeta, artista plástico quando sai nos editais.
Pode dar dicas para a prefeitura de alguns nomes.
Tem muita gente escondida, que também não quer se promover, não vai atrás. Já ouvi “não vou atrás disso, pinto e vendo minhas coisas aqui”. Eles são desestimulados pela falta de opção. Há até poucos dias não tínhamos uma galeria de arte, era uma luta expor. Hoje temos um local apropriado. E agora que temos, infelizmente, o artista fica com a chave quando está expondo porque a prefeitura não disponibiliza funcionário para isso. Como agora também tem que pagar uma pauta no valor de R$ 250, eles colocaram uma pessoa para dar esse suporte. Mas não divulgam, não colocam cartazes, o artista fica bem solto.
“…falta de democratizar a arte em Mossoró. A própria prefeitura não conhece os artistas da cidade.”
Não oferecem nada?
Nessa parte, não. Se eu for fazer exposição hoje eu teria que pagar essa pauta, a não ser que eu converse com o pessoal lá e consiga uma isenção. Se você conhecer alguém lá pode ser que consiga. É tudo uma dificuldade. Fiz várias exposições no Sesc, sempre de muito sucesso, a última no ano de 2009, em Natal. Ganhei os convites, o coquetel, eu não gastei nada. Não me pediram nada de contrapartida, tudo que vendi veio para mim. Aqui é diferente, no Memorial ficamos praticamente escondidos, o pessoal passa e nem sabe que está rolando uma exposição. Se não tiver alguém lá embaixo ou um cartaz, como é que a pessoa vai saber? Teria que chamar os colégios. Na minha última exposição eu mesmo entrei em contato com uma professora, pedi para que ela levasse os alunos. Eles acharam bacana a exposição. Falta esse incentivo aqui, falta esse estímulo para levar as escolas da rede pública, falta isso. A mesma coisa quando se trata de poesia. “Ah, eu não conheço esse poeta”. Só conhecem Antônio Francisco. Por quê? Porque Antônio Francisco já ganhou o mundo, ele é mais conhecido. Agora, como os que não são conhecidos chegam aos colégios? Agora na pandemia teve a lei Aldir Blanc, que contemplou alguns artistas — eu nem estava indo atrás, porque tenho uma aposentadoria — mas me disseram que eu não teria direito ao auxílio, mas podia inscrever algum projeto. Então fui no edital de Aquisição de livros. Como eu tinha no estoque, coloquei o projeto. Fui contemplado e distribuí nas escolas da rede pública. Fui deixar no colégio José Nogueira, Solon Moura, e outros, para que eles utilizem em sala de aula. Uma aluna me falou que o livro de poesia que tinha lá era o de Antônio Francisco e que não conhecia outros poetas da terra. Não tem acesso.
Airton Cilon é um artista multifacetado. Além da pintura e da música, ele também é poeta. E ri muito ao falar de suas primeiras aventuras no mundo dos versos. “Foi essa coisa também, o mesmo processo, a poesia veio até mim. Ganhei um livro de um primo, uma coletânea com vários poetas. Na época, anos 1985/86, eu tinha 18 anos. Li e gostei da Florbela Espanca, Affonso Romano de Sant’Anna, Drummond… Muito bacana. Achei a poesia um negócio interessante para demonstrar sentimento. Peguei o caderno e comecei a escrever. Eu era um cara apaixonado, gostava das meninas da rua, minhas vizinhas. Comecei a me expressar com a poesia. Achei legal a linguagem. E a partir daí não parei mais. Sempre voltava para a poesia. Em 1988 tive uma hemorragia interna e fui para Fortaleza, já que não existia um tratamento adequado em Mossoró. Minha avó já tinha até comprado as velas, ela achava que eu não escaparia. Naquela época fui atendido no Hospital Tarcísio Maia pelo único hematologista aqui,o Dr. Cury. Eu estava perdendo sangue, a barriga desse tamanho, e branco. Então ele me encaminhou para Fortaleza. Cheguei e no outro dia já fui para mesa de cirurgia. O perigo de um hemofílico em uma cirurgia, hein? Me aplicaram o fator VIII de coagulação, e pronto. Oito horas como uma pessoa normal e assim poder resistir a uma cirurgia. Na minha recuperação, no hospital, sem fazer nada, pedi a uma enfermeira lápis e papel e comecei a escrever. Desenhava também. E uma dessas enfermeiras, que escrevi poesia dedicada a ela também, levou meus poemas para casa. E me deu uns toques de como escrever uma poesia, falando sobre como separar por estrofes — ela já tinha intimidade com a poesia, de quando foi professora primária. Um domingo recebo a visita dela trazendo o bloquinho de poesias bem organizado. Fez recortes e grampeou as folhas de prontuário… Recortou e colocou o título “Amor platônico”, desenhado com a letra dela. Até hoje eu tenho guardado. Este foi o embrião do meu primeiro livro. (risos). Isso há mais de trinta anos. Voltei para Mossoró, já recuperado e com um projeto de livro. Fui morar numa casinha pobre e eu ficava sonhando com aquilo. Escrevia, escrevia e guardava no caderno. Enchi uns quatro cadernos de poesia. Também não tinha noção de métrica, rima, coisa nenhuma. Era uma poesia livre. Mas tudo simples, algo sem muita qualidade literária. Era algo de quem estava apenas começando e que não conhecia o trabalho de muitos poetas. Foi tudo feito sozinho. E foi por intermédio do Dr. Cury que conheci o sogro dele, o professor Vingt-un Rosado, que me ajudou a lançar meu livro pela Coleção Mossoroense. Infelizmente, o primeiro livro foi impresso com muitos erros, sem revisão, mas foi feito. 100 cópias do meu primeiro livro, assim sem revisão, sem nada, foi feito cheio de erros. Quando olho ainda hoje pra ele… “Minha Nossa Senhora…” A capa foi de autoria de Maria de Socorro, aquela enfermeira de Fortaleza. O título também. Essa parte da poesia em minha vida devo a ela, que me incentivou e deu os primeiros toques de como elaborar uma poesia.
Cilon fala que seu envolvimento com a arte sempre foi uma questão de amor, de nada ser planejado, de chegar naturalmente. E também fala da sua epopeia nos outros lançamentos, após seu primeiro livro ser lançado no ano de 1998. “Depois desse contato com o professor Vingt-un conheci o pessoal da Poema — Poetas e Prosadores de Mossoró. Era ali que eu deveria me situar. Comecei a seguir o caminho das pedras. Como é que publica um livro? Você tem que ir em busca de patrocínio, professor Vingt-un dava uma ajuda, sempre aberto a ajudar quem pretendia lançar livros. Fiz um empréstimo para lançar o segundo livro (eu e os empréstimos… kkkkkkk na minha vida). Eu queria lançar o segundo livro com mais qualidade, capa melhor, fui atrás. Juntei o empréstimo com o desconto que o professor Vingt-un deu, fiz a capa, e ganhei de presente a parte gráfica do livro de Rogério Dias, e lancei meu livro “Mil pedaços” no Dia da Poesia, no ano de 2002. Vendi dez exemplares no lançamento. Já foi muita coisa, haja vista ter vendido apenas um exemplar no lançamento do primeiro livro (risos). Depois veio o projeto Rota Batida, em 2003. Lancei outro pelo mesmo projeto Rota com a Coleção Mossoroense. Passei alguns anos sem publicar e somente em 2015 lancei o “Flor de Setembro”. A mesma luta: indo em busca de patrocínios. O livro saiu pela editora Queima-Bucha, do Gustavo Luz, com muita qualidade, capa de Laércio Eugênio. O lançamento foi na Praça da Convivência, vendi bastante e foi muito elogiado. Quando eu completei 50 anos, em 2018, lancei um livro para contar essa história. Selecionei cinquenta poemas, tudo na minha cabeça, e cada poema representava um ano. Ficou muito bacana. Então, a gente vai crescendo. A cada ano, cada livro publicado a gente tenta melhorar, não só a qualidade do livro, mas a qualidade dos poemas. Tudo é um crescimento. Aquele poeta de 1988 era apenas um iniciante e sem noção do que seria um poema publicável ou não. O poeta é aquele que vai galgando uma melhora do seu texto, porque aquele que escreve sempre a mesma coisa sem sair do lugar, ele não é poeta. Para mim, ser poeta é aprender com os outros e consigo. Apesar de não dominar texto metrificado, e isso se deu por opção, pois não gosto desse tipo de poesia. Gosto do livre, curto e do poema sem rima. O que importa é o sentimento.
Cilon, obrigado pelo papo.
Eu que agradeço. Vamos torcer que as coisas melhorem, que a gente possa produzir e levar ao público essas produções. Porque o artista sem plateia não existe. E não temos mais paciência para acompanhar essas “lives”, aquela coisa tão sem alma.
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