Entro no quarto e fecho a porta. Momentos a sós e em silêncio têm ganhado a cada dia mais importância, como um exercício de me ouvir ou apenas descanso ou autocuidado. A televisão sem som me mostra vislumbres de séries que de tão repetidas nem me interessam mais. Desligo. O barulho do ventilador embala os pensamentos e, às vezes, as tentativas de não pensar. Inspiro profunda e lentamente e tento visualizar o azul do céu com meus olhos fechados. Expiro e a profusão de cores que explode em mim não se aquieta. Do meu remanso, percebo a azáfama diária: as vibrações do meu filho jogando ao computador, mamãe e seus afazeres na cozinha, a máquina de lavar roupas e seu ritmo compassado. Alguns acordes no violão dão sinal de que meu companheiro também está relaxando. Amplio os sentidos e percorro a vizinhança com a memória, ouvindo até o que não acontece no momento. O vizinho carrancudo que se derrete numa videochamada com as netinhas, uma furadeira e batidas de martelo mostram os eternos cuidados em uma casa próxima, a voz afinada da senhora ao lado em músicas gospel, alguns cachorros latem e logo chegam os gritos do menino da frente e suas descobertas chamando o pai repetidas vezes. Os entregadores e suas motos estrondam pela rua enquanto um pássaro muito sabido tenta quebrar uma semente em cima do muro. Pássaros não faltam e não param de comer as mudas que insistimos em plantar no quintal. Uns, até se alojam no terraço e nos fazem ter medo de perturbar os filhotes. Outros só nos visitam e despertam os dias com seu canto. O sino dos ventos se anuncia alegre e traz esperança de boas novas. Os sons do silêncio me acalantam.
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