O carnaval da minha dor começou em uma sexta-feira ensolarada como têm início os carnavais – sejam dolorosos ou não – em um ano qualquer e em uma cidade igualmente qualquer (o carnaval é igual em qualquer cidade quando o objetivo é sofrer, e não se alegrar. parafraseando Tolstói, todos os carnavais infelizes se parecem, os carnavais alegres é que são diferentes…)
Mas, voltemos à minha dor… toda ela gerada pela Colombina, posto que eu era, novamente, o Pierrô. Há quantos carnavais vivíamos esta história insana, excitante, mal contada?… Havia uma década, suponho. Eu não sabia nada sobre ela, apenas seu nome – Miriam – que ela revelou por um deslize enquanto fazíamos amor embaixo do palco das autoridades que assistiam ao desfile das escolas de samba na cidade de… deixemos para lá. E chamemos minha amada de Colombina, que é como sempre a chamei e como ela gosta de ser chamada (isso a excita, presumo).
O fato era que o que havia começado como uma fantasia (em todos os sentidos) passara a ser –pelo menos para mim – uma obsessão. Primeiro nos conhecemos, entre o confete, a serpentina, o álcool e o loló, como todos se conhecem durante a folia, entre a superficialidade e o desejo… depois o beijo, o desencontro e por fim o reencontro na noite de terça-feira e terminar a noite – e aquele carnaval – entre lençóis no meu quarto de hotel. Trocamos telefone, mas, para quê? Jamais nos telefonamos. A não ser na véspera do carnaval do ano seguinte, quando ela avisou que novamente se fantasiaria de Colombina e que queria me ver outra vez de Pierrô. Passamos o carnaval entre encontros e desencontros, ela com Arlequins, eu com Odaliscas… tentei brigar, mas ela só queria se divertir. Jurei que no carnaval seguinte não passaria mais por aquilo. Tolice. Uma semana antes da festa momesca, a Colombina me ligou dizendo em que cidade passaria o carnaval lá fui eu atrás dela, rumo a prazeres carnais rápidos e uma dose considerável de sofrimento. Identifiquei-me com a música… “Um pierrô apaixonado, que vivia só chorando, por causa de uma colombina acabou chorando, acabou chorando…” (Pierrô Apaixonado, de Noel Rosa e Heitor dos Prazeres)
Lá pelo quatro ou quinto carnaval que passávamos da mesma maneira, encontrando e desencontrando entre ladeiras, becos e multidões, tomei coragem e a pedi em casamento. Ela riu, argumentando que eu sequer a conhecia e continuou sua caminhada de Colombina desvairada, à procura de outras bocas, outros braços, outros pierrôs… Mas, na quarta-feira de cinzas lá estava ela em meus braços… E eu tentando fazer com que nos víssemos em outro período que não no carnaval. Inútil. “Eu gosto das coisas assim…”, enfatizou, despindo suas roupas de Colombina. Enquanto ela pegava um táxi rumo ao aeroporto (já morávamos em cidades diferentes) “O pierrô apaixonado chora pelo amor da colombina…” (Pierrot, de Marcelo Camelo, da banda Los Hermanos).
Passam os meses e fevereiro se aproximou, como sempre, trazendo consigo o Carnaval. Não telefonei para a Colombina e tampouco ela me ligou. Fiquei em minha cidade, e vesti-me de Pierrô – pela última vez – para pular sozinho meu carnaval. Eis que então que, entre lágrimas e cerveja, vi a Colombina – sim, só podia ser ela, era seu andar, seu jeito de mover os braços, de balançar os cabelos, de rir ao vento… – aos beijos com um Arlequim. Olhei fixamente para ela. Ela me viu e não esboçou qualquer reação. Era uma Colombina, mas, seria a minha Colombina? Que importava? Que mais havia a fazer? Comprei outra latinha de Skol e me entreguei à multidão que entoava uma marchinha qualquer, que aos meus ouvidos soava como a marcha fúnebre: eu estava condenado a ficar apaixonado pela imagem (literal e simbólica) da Colombina até o fim dos carnavais, ainda que toda Colombina que cruzasse meu infeliz caminho não fosse a minha… “Quanto riso, ó, quanta alegria, mais de mil palhaços no salão… O pierrô está chorando pelo amor da Colombina no meio da multidão…”
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