O longa, em preto e branco e totalmente realizado à distância na quarentena, mostra os conflitos de um casal em crise durante o lockdown em um cenário político ameaçador; elenco conta com Bruna Guerin, Gabriel Godoy, Silvero Pereira e Cassio Gabus Mendes
Definido pelo seu diretor e roteirista André Pellenz como “um filme que parece um documentário sobre o futuro”, o drama “Fluxo” – gravado em preto e branco numa fase em que as filmagens presenciais estavam proibidas por conta da covid-19 – chegará aos cinemas no dia 31 de agosto de 2023. Na trama, uma distopia política-conjugal, um casal em crise, interpretado por Gabriel Godoy e Bruna Guerin, acaba tendo que lidar com uma situação inesperada, um lockdown. Obrigados a conviver, eles reavaliam seus conceitos, enquanto uma ameaça maior vai se formando do lado de fora: um governo de ultradireita prepara um golpe de estado.
“Quando escrevi o roteiro, não imaginava o contexto político que viria depois. Foi assustador ver a ficção quase virando um golpe de Estado real”, relembra André.
Produzido pela Media Bridge e pela Paramount Pictures, com distribuição da Pipa Pictures e Paramount, “Fluxo” conta ainda com Cássio Gabus Mendes, Silvero Pereira, Guida Vianna, Ronaldo Reis, Alana Ferri e Monika Saviano no elenco, todos filmados em suas casas por meio de aplicativos, em Rio, São Paulo e Fortaleza.
Lançamento cancelado motivou o projeto
A frustração de ver o lançamento de seu filme “Os Espetaculares”, que estava cercado de grande expectativa mas que, com os cinemas fechados, teve o lançamento cancelado, motivou André. Como ele mesmo explica:
“Na verdade, ‘Os Espetaculares’ chegou a estrear em Manaus, quando as coisas pareciam estar mais calmas e apenas os cinemas de lá estavam reabrindo. Porém, uma semana depois a cidade iniciou aquele trágico ciclo de falta de oxigênio e tudo se fechou ainda mais. Isso me marcou muito, e minha raiva com o governo da época era cada vez maior. Eu precisava colocar tudo isso para fora”. (O lançamento de “Os Espetaculares” estava previsto para junho de 2020, e o filme acabou sendo adquirido pela Amazon).
Escrito em apenas 20 dias, o diretor não quis esperar a flexibilização de protocolos e decidiu gravar “Fluxo” de maneira totalmente remota, com um mínimo de recursos e ousando na linguagem cinematográfica. Os atores receberam o equipamento em casa e seguiram as instruções da equipe (que nem mesmo se encontrou) a distância, sendo responsáveis por todos os movimentos de câmera, sem a presença de qualquer pessoa no set, algo visto poucas vezes na história do cinema.
Fim da pandemia, mudança na montagem
Com o filme pronto, já no fim da pandemia, André decidiu que era preciso mudar alguma coisa. O insight acabou implicando numa revisão da montagem do filme, alterando alguns conceitos da obra, como ele mesmo explica:
“Acabei remontando o filme como se tivesse terminado uma guerra. Não queria lembrar logo de cara como tudo começou, e sim ir revendo as coisas em sentido inverso, de forma a ‘zerar’ meus sentimentos em relação a tudo que aconteceu”, diz.
Responsável por capitanear grandes sucessos comerciais, como “Minha Mãe é Uma Peça” (2013), “Detetives do Prédio Azul” (2017), e mais recentemente “Os Aventureiros”, até então a maior bilheteria brasileira do ano de 2023, Pellenz gostou da experiência de fazer algo mais simples e artesanal. “Para mim é um retorno aos meus projetos de curta-metragem e à série dramática “Natália”, do Universal Channel/TV Brasil, onde a simplicidade fazia parte da linguagem”, empolga-se.
Caixas na porta de casa: os desafios de filmar à distância num período de incertezas
Os desafios de se fazer um filme sem a presença do diretor foram muitos. Pellenz define como uma espécie de “Dogma 95” particular: “Na época, fiquei intrigado com a limitação que Lars Von Trier e sua turma se auto-impuseram, gerando filmes únicos e muito interessantes. No nosso caso, as limitações foram impostas pela pandemia, e é fascinante ver como elas afetaram a linguagem e o resultado. Hoje entendo melhor as motivações deles”, completa.
Sem contato pessoal, os equipamentos foram deixados lacrados e higienizados nas casas dos atores, e eles precisaram aprender a montar e operar tudo.
“Chegaram equipamentos e mais equipamentos na minha casa na época. Duas câmeras, iluminação, cabos e mais cabos, tripés, material para arte e som. Uma loucura. A casa ficou de ponta cabeça e tivemos que ter muita calma para entender que a nossa casa viraria um set de filmagem por 15 dias”, conta Gabriel Godoy.
O ator relembra o grande desafio que era concluir cada plano: “Sair do personagem não era uma questão, mas não sair do cenário do filme, isso era. (risos). O desafio era antes de gravar. Era mais tempo sendo da técnica do que do elenco. Geralmente, buscamos estar 100% concentrados em um set de filmagem, porém no caso do Fluxo precisávamos estar 500% para dar conta de tudo. Às vezes passávamos 40 minutos montando um plano e quando estava tudo pronto eu lembrava: “Ah, agora preciso também atuar. Sou ator do filme. (risos). Foi uma experiência única realmente”, diz.
Bruna Guerin também se recorda com prazer do desafio, que trouxe muitos aprendizados: “Como tínhamos que exercer todas as funções do set, além de atuar, foi muito desafiador. Mas a equipe toda nos conduziu com tanta paciência e generosidade que acabou sendo um prazer estar vivenciando tudo aquilo. Foi um dos maiores aprendizados que tive na vida. Hoje enxergo e trabalho no audiovisual muito diferente por conta dessa experiência”.
Outro destaque é a participação especial de Cássio Gabus Mendes, que não saiu de sua casa e fez tudo sozinho. “Jamais imaginei que um dia faria uma cena sem mais ninguém por perto”, disse o ator durante as gravações.
Silvero Pereira, que gravou suas cenas em Fortaleza, compõe o elenco num papel-chave para a distopia final. O ator também gravou a música-tema do filme, “Jaqueta Amarela”, de Assucena (da extinta banda “As Baías e a Cozinha Mineira”).
“Fluxo” é um um dos poucos filmes realizados naquele momento de tensão. No entanto, não é “o filme da pandemia”, como diz Cosimo Valerio, sócio da Media Bridge, produtora de filmes como “Chacrinha” e “Intervenção”: “Não estamos retratando a covid-19. A quarentena do enredo é um ponto de partida para discutir a crise de um casal que acaba refletindo uma situação maior e mais grave”, afirma
Filme manteve a produção cinematográfica ativa na pandemia
Outro grande trunfo de “Fluxo” foi manter a produção cinematográfica brasileira em funcionamento mínimo num período inóspito, em que o setor cultural, e especialmente o cinema, foi diretamente afetado.
“Conseguimos manter a produção ativa na época, permitindo que equipe e elenco, mesmo em número reduzido, tivessem trabalho remunerado. A parceria com a Paramount foi fundamental para finalizarmos o filme da melhor maneira possível”, completa Angelo Salvetti, também sócio da Media Bridge.
Segundo Alex Levy-Heller, da Pipa Pictures, “Fluxo” é um filme para salas de cinema: “Estamos renovando nossa aposta na tela grande, na sala escura, no cinema como arte. Este é um filme feito com as menores câmeras, para telas maiores. De certa forma, essa amplificação reflete o alívio que vivemos recentemente”, conclui.
Sinopse:
Primeiro volume de uma trilogia sobre a angústia, inspirado na obra do diretor italiano Michelangelo Antonioni, em especial “O Eclipse”, e nas provocações temporais do soviético Andrei Tarkovski, “Fluxo” é uma distopia política-conjugal que acompanha um casal em crise. Carla expulsa Rodrigo de casa, mas ele não pode deixar o apartamento por conta de um lockdown imposto pelas autoridades. Assim, os dois são obrigados a conviver e acabam revendo seus conceitos, até que as coisas ao redor tomam um rumo jamais imaginado e uma ameaça maior que a própria razão do lockdown vai se formando lá fora.
TRAILER DE ‘FLUXO’: https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=PYYnocJuKg4
Ficha técnica:
Distribuição: Pipa Pictures e Paramount Pictures
Produção: Media Bridge e Paramount Pictures
Elenco: Bruna Guerin, Gabriel Godoy, Silvero Pereira, Guida Vianna e Cassio Gabus Mendes
Roteiro e direção: André Pellenz
Produção: Angelo Salvetti, Cosimo Valerio, André Pellenz e Altino Pavan
Fotografia: Ênio Berwanger
Direção de arte: Raíza Antunes
Figurino: Isa Ribas
Montagem: André Pellenz
Trilha Sonora: João Jabace e Luís Rodrigues, com músicas de Johnny Hooker, Letrux, Mariana Volker, Bemti, DiMelo e Assucena
Música: “Jaqueta Amarela”, de Assucena, interpretada por Silvero Pereira