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CULPA | Capítulo XVII

— Bom dia, dona — o soldado Maguinho saudou-a.

— Bom dia. O senhor quer falar com o seu Zequinha?

— Na realidade, minha senhora, queria dar uma palavrinha com a Creuza, hóspede do casal.

Lídia, sempre receosa com as coisas da lei, ficou nervosa e logo indagou:

— Algum problema?

Maguinho, amassando a boina, titubeou, enganchando-se com as palavras:

— Não estou aqui representando a polícia. Quero ter um particular com a hóspede. Isso se for possível, claro.

Lídia enxugou as mãos veiadas no avental e, mais serena, disse-lhe:

— Sente-se aqui na sala, seu…

— Pode me chamar de Maguinho, é assim que sou conhecido por todos em Licânia.

— Muito bem, seu Maguinho. Volto já. Aceita um cafezinho?

— Não, muito grato. Acabei de sair do plantão e tenho pressa — arrematou ansioso.

Lídia foi ao quarto da Creuza. Bateu e, sem esperar por resposta, entrou a falar assustada:

— Tem um guarda aí, Creuza, querendo um particular com você. Ah, meu Deus do Céu, não gosto de polícia. Tome cuidado, minha filha. Não seria melhor avisar ao patrão? Ele acabou de sair para visitar dona Adamir, no São João.

Creuza, que rezava no pequeno oratório improvisado no canto do quarto, fez o nome do pai, passou a mão na fivela do vestido, como se querendo ajustá-la, e se levantou.

— Vamos ver o que esse senhor quer falar comigo, Lídia. Não se preocupe. Vou apenas ouvi-lo.

Chegando à sala, cumprimentou-o:

— Bom dia.

Maguinho surpreendeu-se com a altivez daquela mulher: olhos fortes, corpo esbelto, tez morena.

— Seu homem, senhorita, é melhor do que muitos dos que estão soltos pelas ruas desta cidade. Muito melhor…

Maguinho, de pé diante de Creuza, não conseguiu continuar sua fala: a emoção embargava-lhe a voz, os olhos marejados, os lábios trêmulos…

— Vou pegar um copo d’água. Tenha calma.

Ao retornar, Creuza se deparou com o soldado cabisbaixo, ainda emocionado.

— Tome. Vai ajudar o senhor a explicar tudo com tranquilidade.

Pouco mais, Maguinho recomeçou:

— Tenho muito conhecimento das coisas da prisão e…

Não conseguia articular os pensamentos. Um choro profundo, tal qual aqueles que brotam de uma pessoa aflita.

Creuza se aproximou, puxando uma cadeira para junto do visitante. Conversou com ele num tom baixo e brando.

Lídia, na saleta próxima, não conseguia captar nada daquele diálogo. Era como se ele se desse ao pé do ouvido. Não que Lídia tivesse algum interesse por fuxico ou coisa da vida alheia; postara-se ao lado tão somente com receio de que o samango partisse para os maus modos com Creuza. Ela nunca confiava nesses homens da lei.

Meia hora depois, a despedida:

— Vá em paz, senhor Maguinho. Obrigada. Eu lhe serei eternamente grata.

Quando Lídia retornou para a sala, o soldado já havia saído. Creuza, ainda com o copo na mão, movia os lábios como se em prece silenciosa.

— O que ele queria, Creuza? O filho da mãe lhe disse alguma ofensa? — perguntou, azogada.

— Em todo lugar, amiga, existe gente boa. O Maguinho é um homem direito.

E Creuza retornou para o seu quarto. Lá se ajoelhou diante da imagem de Sant’Anna, orando com mais fervor pelo destino que os esperava.

Escrito por Clauder Arcanjo

TOK TOK TOK

A preocupação de Marinho