Sobre

Resiliência que chama

De certo modo, as manifestações culturais comprometem-se, acima de tudo, com a coragem. Dizer o que se pensa, denunciar e relatar a vida cotidiana de maneira aberta é, teoricamente, o papel do jornalismo, dos articulistas e cronistas. Contudo, no Brasil, isso não é regra, mas sim uma mera exceção. O jornalismo muitas vezes está atrelado ao capital, focado unicamente nos interesses políticos daqueles que podem pagar, geralmente priorizando causas pessoais em detrimento do bem-estar do Estado. No Nordeste, em particular, o coronelismo assume diversas formas, mantendo-se no poder e controlando o que pode ou não ser dito. Esse controle custa caro, e é por isso que muitos acabam se rendendo; felizmente, a maioria não significa unanimidade.

É evidente que para uma revista que não se submete, o caminho é doloroso. Observamos o surgimento diário de panfletos jornalescos que, da noite para o dia, inundam lares e repartições. Infelizmente, muitos carecem de imparcialidade e não possuem uma pitada de criticidade social. A parte mais robusta da opinião busca sustentar os mandatários no poder, custe o que custar. Assim, qualquer pessoa que contradiga esse pensamento é considerada inimiga ou motivo de piada, mesmo dentro de um contexto ilógico e sem fundamento. Estes pedaços de papel, redigidos por uma massa de jornalistas amordaçados, definem a agenda do jornalismo, criando o que chamamos de “agenda setting”.

Quando cheguei a esta revista, cerca de vinte anos atrás, tinha em mãos uma questão política. Naquela época, sem internet e com o surgimento das rádios comunitárias, os impressos dominavam. A maioria seguia o ritmo daqueles que pagavam mais e detinham o poder. No entanto, esta revista, ao contrário, seguia na contramão e circulava meio que à deriva, numa espécie de clandestinidade não declarada. Embora recebesse patrocínio governamental, sua linha editorial nunca se vendeu. Criticavam a Papangu, alegando elitismo, quando eu, claramente, expressava minhas preocupações sobre o que não ia bem em Apodi e Túlio Ratto sobre o que não se encaixava em Mossoró. Ele até desenhava literalmente na capa, mas nem assim.

Nessa época, os jornais começaram a abandonar a literatura, e o fato de a Papangu manter e resgatar essa tradição literária a destacava, mas também incomodava uma pseudoelite politiqueira e uma parte prepotente da imprensa potiguar. Natal, que sempre teve rivalidade com Mossoró, fingia não perceber, mas todos nos viam, liam e comentavam entre si o que era dito em cada edição.

Duas décadas depois, parece que estou falando de um tempo que se foi. De uma era em que fazíamos fanzines para nos opormos ao status quo. No entanto, a Papangu continua seguindo a mesma linha e enfrentando os mesmos desaforos. Ela continua machucando aqueles que vestem a carapuça, afirmando que é preciso dizer o que precisa ser dito sem rodeios, ao mesmo tempo que preserva a mesma cultura literária de contos, crônicas e poesia, abandonada pela imprensa e por esse novo mundo que surgiu no jornalismo virtual.

Ao olhar para trás, percebo que parte da minha história está entrelaçada a esse mundo jornalístico, mas vejo também uma parte significativa do legado jornalístico-literário do nosso estado preservada nos anais desta revista. Por não se submeter, a Papangu tornou-se maior do que seu próprio nome, seus editores e autores. Sua resiliência a incorporou à história recente do nosso estado, fazendo da Papangu um arquivo perene de nossa memória, de nosso grito e de nossa arte.

Escrito por Paiva Rebouças

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VIDA LONGA AO SÍTIO CASA FORTE