Sobre

Gula

Por Natália Chagas

Domingo! Maria Helena havia saído para igreja. Elísio se preparava para a sua honra semanal. Aquele momento único de solidão rotineira de um ateu trabalhador. Ele encarava a vida de uma labuta mais ardorosa do que os cristãos pois em sua visão não haveria quão cedo ele madrugasse, não existiria Deus que o ajudasse. Por isso, quando chegava seu único dia de auto recompensa, ele se concedia com ares de nobreza. E não era nada demais o que ele queria. Algo bem simples. Era o bife acebolado do bar do Norberto.

Alguns não entenderão por nunca ter provado tal iguaria. Este prato era uma tradição em um dos butecos mais sujos do bairro, mas era o orgulho e a sobrevivência de Norberto, que já o fazia há mais de 25 anos quando abriu seu comércio. Em um prato branco, um contra-filé da melhor qualidade passado ao ponto do cliente por uma graxa de azeite, alho e cebolas com sal e pimenta à perfeição. A cebola e o alho acompanhavam a estrela do prato juntamente com a graxa de gordura saborosa que era derramada na carne. Elísio nem olhava para as duas rodelas de tomate e três folhas de alface que compunham o prato, mas era grato a Norberto pelos três pedaços de pão que vinham à parte para lambuzar naquele sumo dos deuses ao final. Era a única parte de sua vida que ele agradecia a seres divinais. Maria Helena, que era uma excelente cozinheira, chegava a ter ciúmes dessa adoração de Elísio. Ele nem se importava, e também nunca tentou levá-la para provar sua gulodice, pois entendia que era seu momento privado e nada ficaria entre ele e seu bife. Muito menos Maria Helena que, naquela semana, o infernizava sobre como tornar a vida mais saudável. Nunca imaginou que poderia haver uma briga de três dias por algo tão imbecil.

Haveria de esquecer tudo quando se acomodasse com sua cachaça de aperitivo para abrir o apetite. Achou uma mesa vazia no fundo do bar perfeita pois era em um canto longe do sol e podia encostar na parede para um maior relaxamento. A brisa do mar tornava tudo ainda mais aprazível, com o bônus das mesas em volta estarem vazias também. Era o domingo perfeito. Juarez, o garçon, trouxe sua cachaça sem falar palavra e com aceno da cabeça confirmou seu pedido dominical.

Já estava clareando a mente dos problemas de trabalho e Maria Helena quando duas meninas de cabelos molhados entraram no bar e se fixaram bem à frente dele. Elas não olharam para nenhum lado, não fizeram menção de estarem se importando com quem estivesse ao redor, e não pareciam querer importunar alma que fosse para alegria de Elísio.

Como estava vazio o bar, não tinha como não escutar a conversa das meninas. E como ainda esperava seu banquete individual, achou pitoresco poder conhecer o que pensavam aquelas jovenzinhas tão delicadas. Elísio e Maria Helena não haviam tido a sorte de terem filhos, então ele encontrou ali um momento para entender como funcionava uma nova geração. Sem ser invasivo, relaxou e deixou os ouvidos absorverem o que as moças soltavam ao vento.

– Agora que você assumiu essa nova função, você vai ter que entender seu papel e se fixar nele. – Disse a loira para a de cabelos vermelhos em tom tutorial. E continuou:

– Ninguém está ali para te satisfazer. Isso é no mundo e na vida. Absorva. E na função muito menos. Às vezes damos sorte de alguns se encantarem por nós e se esforçarem um pouco. Mas não é regra.

Elísio ficou encantado com a forma profissional da loira e se interessou pela conversa de vez. E ela continuou:

– Agora anote as dicas: supere os medos, os nojos, os pudores e o conservadorismo. Julgamentos não fazem bem a ninguém e só afasta as pessoas. Aprenda a ouvir com atenção e sinceridade mesmo aquilo que não te interessa. Sorria sempre, mesmo se for com complacência e empatia. Seja gentil, fuja das brigas e não passe o que ouviu para frente, aquilo que te contam é só seu.

Elísio já estava pensando em pegar uma caneta e começar a anotar aqueles conselhos para ele levar para vida, e continuou a ouvir:

– Para o ato em si é sempre bom ter uma especialidade. Posso te ensinar a minha. A primeira aula é grátis. Se você se interessar, podemos marcar no meu consultório que tenho até aulas práticas. Estabelecemos um valor por aula, mas tem que pagar antecipado. O maior segredo é usar toda a boca. Língua e céu da boca são cruciais para a pressão do vácuo  fazer efeito no membro, mas também deve ser utilizado a bochecha. Nunca use os dentes. Não é necessário colocar tudo dentro da boca o tempo todo. Quando faltar fôlego ou der vontade de vomitar, vá para a cabeça e lamba o buraquinho. Movimentar a sua cabeça é uma boa variação de vibração. Mantenha pelo menos três unhas grandes para fazer carinho no saco enquanto você chupa. E sempre, sempre, sempre engula.

Constrangido com o tesão que lhe acometera, Elísio se levantou abruptamente, suspendeu o bife, avisou que voltaria na semana seguinte para acertar tudo e correu para casa para encontrar Maria Helena que já devia ter chegado da igreja.

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