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Culpa: Capítulo XIV

— Cabo, há quanto tempo que ela entrou para falar com o preso?

— Delegado, faz meia hora.

O delegado arrumou o revólver na cartucheira e deu uma volta em torno da mesa.

— Vá e veja se colhe alguma pista para… Seja discreto, não vá se aproximando com aquelas suas botinadas de acordar quarteirão!

O cabo Jacinto Gamão amassou os bagos para controlar a fúria que lhe assomava ao juízo, ergueu a calça grossa e, antes que pudesse responder ao “doutorzinho da capital”, dirigiu-se às celas. Estas ficavam numa construção nos fundos do terreno.

Meia hora depois o cabo Jacinto retornou. Sem dizer nada, sentou-se ao canto e mergulhou num silêncio longo.

O delegado levantou-se do birô e foi ao seu encontro:

— E aí, o que colheu?

— Do lugar onde me postei pude ouvir…

— Pôde ouvir… Sim, continue, homem de Deus. Você ouviu o quê?

Cabo Jacinto retirou o lenço que sempre trazia no bolso traseiro da calça, enxugou os olhos agateados e soprou baixinho, quase como se em confissão:

— Pude ouvir seu choro.

— O choro de quem, cabo? Dele ou dela? Seja claro no seu depoimento.

Aquela palavra “depoimento” fez com que Jacinto perdesse o rumo da prosa: a voz ganhou um travo de raiva, quando ele disparou:

— Se é depoimento, senhor delegado, então está aberta a coleta de provas testemunhais?

O delegado inchou as veias do pescoço e se dirigiu até onde se encontrava o cabo. Este não recuou um centímetro, pondo o olhar na direção da arma do delegado, enquanto afastava um pouco os braços do corpo. Quem se aproximasse, julgava que estaria prestes a um duelo.

Nesse exato momento o sargento Palmiro chegou; e, ao perceber o clima tenso, cuidou de serenar os ânimos:

— Passei na bodega do Gazumba e trouxe uma panelada bem fresquinha. Cabo Jacinto, já pode ir para casa, amigo! Seu plantão terminou. Se quiser, cabo, leve a sua porção para se servir com sua senhora.

— Eu lá sou homem de…

— Cabo! Eu já lhe disse que pode ir-se embora! E não diga mais nada. Expediente encerrado. Agora é comigo. Vá, vá-se embora! — Palmiro falava, empurrando Jacinto para a porta da rua.

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Pouco depois o delegado recobrou o controle dos nervos, passando a falar em voz alta:

— Um folgado. Isso sim, sargento, é o que ele é. No mínimo poderia enquadrá-lo em desacato a autoridade. Sou ou não sou o delegado aqui?! Me diga, Palmiro, sou ou não?

O sargento tirou um cigarro da carteira, acendeu e pôs-se a fumá-lo em longos tragos. Silenciosamente.

— Folgado, um folgado. Isso sim é o que ele é. Onde já se viu… sei não.

Como o sargento não lhe contestava, muito menos concordava com seu esbravejar, o delegado foi serenando, serenando… Quando resolveu se sentar à mesa da delegacia, lembrou-se da visita de Creuza ao preso por duplo homicídio:

— Sargento, faz um bom tempo que a senhorita Creuza entrou para falar com o indigitado. Coisa de quase uma hora.

O delegado levantou-se, ajustou a cartucheira no cinto e, pensativo, deu uma outra volta em torno da mesa.

Pôs a mão direita sobre o ombro de Palmiro, instruindo-o:

— Que tal, sargento, você ir até junto à cela do prisioneiro e recolher alguma pista? Você é um agente discretíssimo e saberá como se aproximar sem que os dois percebam.

Uma hora se passou e nada do sargento retornar. O delegado já roera todos os cantos de unhas e, sem mais se aguentar, resolveu ele mesmo se dirigir à cela do homem que, segundo o processo, assassinara pai e filho.

Tudo mergulhado numa quietude estranha.

Apurou os ouvidos e pôde ouvir… um choro triplo. “Choro de quem, meu Deus?”; pensou.

Ao se aproximar, a constatação: lágrimas do preso, da visitante Creuza e do sargento Palmiro. Este último, o mais desconsolado:

— Ninguém é forte o bastante para enfrentar isso tudo sozinho. Precisaremos um do outro.

O delegado catou o lenço… mas percebeu que esquecera na outra calça.

— A panelada está esfriando, sargento.

Escrito por Clauder Arcanjo

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