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CULPA | Capítulo XV

Noite fria. Longa e inquieta.

Cabeça em tumulto, entre o sono e a vigília:

— Não, Creuza. Melhor não.

A cidade dorme. Acordados, somente os bêbados. Mas esses, em Licânia, parece que nunca dormem.

— Creuza, sou… É perigoso, Creuza. Perigoso, ouviu?

O soldado de plantão, incomodado com o vozerio, resolve conferir de qual preso procedia. Devagar, caminhou até o conjunto das celas, ao fundo do terreno. Coisa de poucos metros, entre a sala do plantão e o presídio em si.

— Não!

O grito forte reteve-lhe os passos.

— Que desespero, meu Deus! — disse, enquanto, mecanicamente, benzia-se. Em nome do Pai.

Acende a lanterna, e o facho de luz mancha o chão de amarelo.

Com pouco, outro lamento. Agora de bem perto:

— Fuja, fuja de mim. Creuza, fuja. Eu não sirvo… sou…

As outras celas dormiam, era da mais ao fundo de onde vinham as vozes. Daquele que seria julgado por duplo homicídio. Segundo relato que escutara, do primeiro fora inocentado por legítima defesa. Júri popular. Depois, novo crime e a fuga. Agora, novo julgamento. Tudo marcado para o final do mês. Com certeza, toda a cidade se envolveria.

— Fuja… fuja!

Aquilo quase fez com que o samango desse as costas, correndo de volta para a delegacia.

— Durma, rapaz! — ordena o homem da lei, reunindo coragem para soltar a fala.

A ordem e o feixe da lanterna despertam o preso. Senta-se, cabisbaixo, os cabelos molhados pelo suor do pesadelo. Levanta o olhar em direção ao guarda. Olhos esbugalhados, como se surgindo de uma luta cruel.

Sem saber o que dizer a mais, o soldado reforça:

— Durma, rapaz!

Ele se encosta na grade, homem forte, corpo rígido. E, segurando-as, declara:

— Melhor, não. A noite sempre a consumir a minha paz. Se é que tenho paz! Mal entro no sono e já surge um pesadelo dos diabos: machucando os meus miolos, afundando todo o meu juízo num precipício, cenas terríveis de enlouquecer qualquer filho de Deus.

O guarda, de baixa estatura e magricela, recua, quase sem perceber.

Então o preso deixa o corpanzil escorregar e, quando sentado, cai num choro convulso.

— Durma, rapaz!

Aquele bordão é tudo que o homem da lei consegue recomendar.

— Não, não… A noite tem sido a minha pior condenação. Minha pior condenação, seu guarda! — reafirma, entre lágrimas.

O guarda também se senta no chão. Em seguida, desliga a lanterna; e o manto do silêncio, numa quietude estranha, apenas é rasgado de vez em quando pelo choro discreto daqueles dois.

Escrito por Clauder Arcanjo

VISLUMBRE DE NÓS

O dia em que eu conheci Maria Luiza