Por Clauder Arcanjo
A manhã se apresenta em passos lentos. Sol tímido e passaredo em pios baixos, coisa incomum.
Na cadeia, os dois homens (um preso e outro na parte externa da cela) se olham, mas parece que não se veem. A vista perdida em lonjuras, em coisas que só o pensamento capta.
Com pouco a chegada dos demais guardas à delegacia.
— Onde está o Maguinho?
— Será que saiu antes da hora? Sempre suspeitei que ele anda de chamego para cima da cabocla Adalgisa! Não sabe que aquela mulher é enrabichada com o Abelardão! Mulher assim chama o coveiro antes da hora.
E riram alto, coçando os bagos e sungando os cintos com os revólveres 38.
— Maguinho?!… Houve alguma coisa, homem de Deus?
Nenhuma resposta.
— Está passando mal? Levante-se desse chão. Rapazes, venham até aqui. Na cela dos fundos.
Três guardas em pé e um sentado em frente ao prisioneiro. Estes dois extenuados, marcados pelo sereno da noite, abúlicos.
— Vamos, Maguinho! Tá na hora de você ir para casa, o seu plantão já encerrou.
Os três guardas recém-chegados pegaram-no pelos braços e cuidaram de arrastá-lo para a parte de fora da carceragem. Sentaram-no na cadeira do delegado, a mais confortável, e lhe ofereceram água.
— Beba, homem!
Não quis.
— O que aquele filho de uma égua fez com você? Aposto que encheu a sua paciência, enfiando no seu juízo as culpas dele… Espere aí que vou acertar logo essas contas! Nada que uma boa surra com o meu cacete de jucá não possa resolver! — vociferou o cabo Jacinto Gamão.
— Não mexa com o meu amigo! — disparou Maguinho, arregalando os olhos, saindo depressa daquele estado de letargia.
— E desde quando você, Maguinho, é amigo de assassino? — devolveu Jacinto Gamão, incomodado.
— Aquele homem, pessoal, é melhor do que todos nós juntos. Mas muito melhor — reforçou Maguinho, já de pé diante dos samangos.
Nesse momento entra o delegado.
— O que está havendo? Isto aqui está parecendo mais um boteco de feira livre do que um distrito policial! — esbravejou, enquanto largava seu corpanzil sobre a cadeira antes ocupada por Maguinho.
— E o senhor, cabo Asdrúbal Santiago, já era para estar no seu descanso.
Os policiais encerraram a discussão. Sabiam que o pavio do delegado estava mais para espoleta: aquilo poderia desaguar em punição para os quatro. A corda sempre arrebenta no lombo deles: registro de má conduta, ou coisa que o valha, em seus apontamentos funcionais.
Asdrúbal Santiago, o Maguinho, pediu permissão para retornar para as celas:
— Acabei me esquecendo de uma coisa, delegado. Volto já!
Logo depois Maguinho retornava mais animado. Despediu-se de todos sem mirar nenhum deles.
— Bom dia. E, cabo Jacinto, repare bem no que eu lhe disse.
Jacinto Gamão quis reagir, mas Severino Pontão, o mais ponderado, fez-lhe um aceno para que ele não respondesse à provocação.
Maguinho ganhou a rua, já em alvoroço. Não seguiu para a bodega do Gazumba, como era de costume, mas em direção à Praça do Poeta.
Ninguém na delegacia entendeu aquela sua mudança de rumo, porém com o tempo tudo se explicaria.