Sobre

A morte de Bruce Lee

A chuva fina deixava a velha Barcelona ainda mais fria. Com nosso guarda-chuva lilás, entramos no bairro gótico e saímos nos espremendo pelas vielas sem fim. Entre tabernas e pontos comerciais, caímos, sem querer, em uma dessas lojas de quinquilharias. Bolsas, sombreiros e uma infinidade de tranqueiras preenchiam o chão e todas as paredes formando um túnel que levava não sei para onde.

Uma bolsinha de cortiça com desenhos asiáticos chamou atenção de minha mulher. Uma moça chinesa nos atendeu em seu tom de vendedora. Por ali, uma senhora peruana, baixinha, também nos interpelou. Parecia uma cliente experimentando as mercadorias, mas logo vimos que era também atendente da loja. Como bons curiosos, puxamos conversa e enveredamos por diversos assuntos sobre a vida, as escolhas e o destino. Eu, tateando no portunhol, ouvia atento o papo de minha companheira, professora de espanhol, com a nativa das grandes terras incas.

Porque os peruanos não pensaram nisso! Reclamou a senhorinha ao se referir à organização de Barcelona. Transporte de toda qualidade, garagens subterrâneas em todos os prédios e até nas ruas. Do nada, um túnel que leva a um largo estacionamento fica embaixo de uma praça onde passam milhares de pessoas. Por que não pensamos nisso?! Acompanhei a peruaninha indignada. De fato, não faz sentido que ainda estejamos tão atrasados, completei. Minha esposa riu porque é o que tenho repetido desde que pousamos na Europa. 

A moça chinesa por ali também interagia com a gente. Assim como eu, seu espanhol era tão falso quando suas bugigangas. Mas ela havia experimentado, talvez da peruana, o espírito latino e sorria e falava alto e fazia piadas. Para socializar, comecei a dizer o pouco que conheço da China, de sua cultura e de seu importante momento econômico. Então lembrei, e disse a ela, que quando criança eu era muito fã de Bruce Lee e que comprava todas as revistas sobre seu trabalho, mas também sua filosofia marcial. A chinesa sorriu mais ainda e disse que seu irmão, que ficou na China, é mestre em Jeet kune do, um neo sistema de arte marcial criado por Lee. Parecia que ela e sua família também tiveram o astro do cinema sino-americano como seu ídolo de infância.

Do nada, como quem me conta um segredo, ela me perguntou: “Sabe como Bruce morreu?”. Eu respondi que sim. “Edema cerebral”. E ela, com olhos enormes e em tom baixíssimo disse: “Nonnn!! Murió por envidia” e pegou o celular para traduzir o que havia dito: “morreu por inveja”. E aí, como num soco de uma polegada, concluiu: “Fue asesinado, igual que su hijo”. “Assassinado igual foi o seu filho?!” repeti como buscando uma confirmação e, ao mesmo tempo, lembrando que, em outra circunstância, Brandon Lee foi mesmo assassinado no set do filme O corvo. Teriam envenenado Bruce?

Olhei para ela e, por um instante, parecia que uma névoa cinza nos encobria e que ali, naquela loja estreita, só estávamos nós dois, conspirando um segredo proibido. Um arrepio me tomou do calcanhar ao cocuruto da cabeça e eu acreditei piamente naquela teoria conspiratória. Fazia todo sentido, todo sentido! Pagamos a compra, nos despedimos com abraços de velhos amigos e saímos com nosso guarda-chuva lilás e este segredo que jurei não contar a mais ninguém.

Escrito por Paiva Rebouças

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