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A geração de vidro e a arte de quebrar promessas

Vivemos tempos em que a palavra empenhada já não é mais moeda de troca, e o compromisso virou um conceito tão frágil quanto os egos que habitam as mentes pós-milênio. A antiga ideia de honrar uma oportunidade, uma tarefa, ou até mesmo um simples acordo, parece tão anacrônica quanto o conceito de trabalhar em silêncio e com determinação. Os nascidos na era digital, embalados pelo barulho das notificações e anestesiados pelas redes sociais, desenvolveram uma habilidade notável: a arte de não cumprir.

Lembro-me de um tempo, não tão distante, em que a oportunidade era tratada como um bem precioso, um pacto tácito entre quem oferece e quem aceita. Era como um contrato invisível, mas cheio de peso, firmado pelo simples ato de apertar mãos, sem a necessidade de um emoji piscando na tela. E nesse contrato, estava implícita a obrigação de fazer o melhor possível, de cumprir prazos, de mostrar que o seu nome, a sua reputação, valiam algo. Hoje, no entanto, esses valores parecem se dissolver na neblina da procrastinação, empurrados pelo vento fraco de desculpas esfarrapadas.

As desculpas, ah, essas são um capítulo à parte. Nunca antes na história das justificativas humanas houve um repertório tão vasto e criativo. É quase uma arte performática. O trânsito, o tempo, a necessidade urgente de uma sessão de pilates, ou a visita à avó, que só acontece quando a entrega de um trabalho está em jogo. E que ninguém ouse questionar, pois as gerações pós-2000 têm a pele fina, quase translúcida. Um pequeno arranhão verbal, uma cobrança mais direta, e pronto! O cenário se transforma em uma tragédia digna de novela: lágrimas de indignação, expressões de surpresa ofendida e, claro, o vitimismo em sua forma mais pura.

Curioso é que essa mesma geração, tão frágil e mimada, adora arrotar superioridade. Dizem saber de tudo, como se fossem os primeiros a desbravar o mundo. Falam como se tivessem a fórmula secreta do sucesso, como se soubessem fazer tudo melhor do que aqueles que vieram antes. A confiança beira a arrogância, até o momento em que precisam, de fato, mostrar serviço. E é então que se revela o grande paradoxo: muitos não sabem o mínimo, e precisam de orientação até o final, como crianças perdidas em um parque de diversões. No entanto, apontar essa falha é quase um sacrilégio, pois a juventude de cristal se chateia, ofende-se, cria um drama digno de um espetáculo de tragédia grega.

Enquanto isso, aqueles que ainda acreditam na ideia de fidelidade e responsabilidade se veem forçados a navegar em um mar de promessas quebradas e desilusões constantes. O que antes era uma questão de honra, agora é tratado como uma bagatela, algo que pode ser dispensado com a mesma facilidade com que se desliza o dedo sobre a tela do celular. O nome, que outrora era uma marca indelével de caráter, hoje é apenas uma sequência de letras acompanhada de um arroba, pronto para ser deletado e substituído por um novo perfil, sem que ninguém perceba ou se importe.

E é aqui que reside o ranço. Não apenas pela falta de compromisso, mas pela falta de consciência, pela incapacidade de entender que cada oportunidade desprezada, cada tarefa não cumprida, é uma microfissura na estrutura do que deveria ser uma sociedade baseada em confiança. As gerações que vieram antes talvez tenham falhado em muitas coisas, mas uma coisa sabiam: o valor de uma palavra. E ao observar essa fragilidade cristalina que domina os novos tempos, é impossível não se perguntar: o que será das próximas gerações, quando a responsabilidade e a honra forem definitivamente relegadas ao museu das virtudes extintas?

Talvez, no futuro, a tecnologia avance a ponto de criar um novo material, mais resistente que o vidro, capaz de suportar as pressões da vida adulta sem estilhaçar. Até lá, restará aos que ainda têm respeito pela palavra empenhada o desafio de continuar remando, cada vez mais contra a maré, em um oceano de fragilidade moral e promessas quebradas.

Escrito por Paiva Rebouças

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