Outro dia, lá estava eu, olhando para a tela do celular, quando me dei conta: vivo numa era onde até a cafeteira quer me ensinar storytelling. A máquina de café, que antes só chiava e cuspia café, agora quer me contar uma história sobre a origem das sementes, a jornada de um grão até a xícara, como se eu fosse esquecer que o único enredo que me interessa às sete da manhã é a narrativa do café salvando minha vida. A verdade é que estamos todos viciados em novidades embaladas como revoluções.
Lá no TikTok, a juventude se espreme para caber em vídeos de 15 segundos, vendendo-se como gurus da modernidade. Eles saltam, dublam, apontam para frases flutuantes, enquanto eu me pergunto: será que esses jovens sabem que a TV já fazia reels antes de eles saberem o que é um controle remoto? E não falo de agora, mas desde que os dinossauros andavam pela Terra, a TV já exibia vídeos curtos. Lembram das vídeo cassetadas? A mesma piada de alguém tropeçando e caindo, só que sem o filtro de gatinho no rosto. A diferença é que a gente ainda tinha a decência de rir mais baixo.
E agora tudo é em inglês. Roteiro virou storytelling. Trabalho é job. Ouço gente dizendo que vai fazer um “call” ao invés de telefonar. Você convida para um cafezinho e a resposta é “bora tomar um coffee?”. Antigamente, isso seria chamado de pedantismo. Hoje, é só mais um dia comum na era da globalização. E tudo bem, mas eu tenho um compromisso com o vernáculo, veja você. Não é por nacionalismo bobo, mas por amor à nossa própria riqueza linguística. Afinal, um bom português é igual a uma boa cachaça: forte, autêntico e te deixa meio bobo, mas feliz.
A juventude, sempre na frente, pensa que inventou a roda. O rádio, coitado, dá uma risada silenciosa a cada novo “podcaster” que acha que desbravou território inexplorado. O que eles não sabem é que o rádio já faz isso há cem anos. O problema é que, como diria Bauman, vivemos em tempos líquidos, onde o velho é reciclado com uma nova embalagem, e ninguém repara que o conteúdo é o mesmo. Só mudam as cores e o sabor artificial de inovação.
E então eu olho para essas novas gerações, e sorrio. Elas se acham as donas da bola, enquanto a gente, que já viu muito feijão queimar na panela, assiste de camarote. Vai passar, eu penso. Sempre passa. E quando a próxima “grande revolução” vier, eu já estarei preparado, com meu storytelling afiado, lembrando que, no fim, tudo isso não passa de uma boa e velha história sendo recontada. Em inglês, é claro.
Como disse um velho e bom amigo, num mundo pós-apocalíptico, quando tudo falhar, só restará o analógico e nós da geração X ainda seremos a geração do futuro.
*Para o poeta Olavo Saldanha