Sobre

Pai

Quem me conhece sabe que não sou saudosista, acredito em ciclos cumpridos e nas leis naturais da vida. E quem me conhece também sabe que não acredito em vida após a morte e nem em nada não-terreno. Mas quem me conhece também sabe da minha relação com meu pai, conhecido como Padre Zéluiz. Pai amoroso, generoso, não-convencional e improvável (teve os filhos a partir dos 42 anos, já que deixou de ser padre aos 40), Zéluiz era uma figuraça, quase um personagem, com sua alegria, humor ferino, expansão e gargalhada ruidosa. Como pai, repetindo, era carinhoso, leal, surpreendentemente liberal e progressista para os anos 1980/1990, certamente herança que carregou como padre ligado à Teologia da Libertação e as causas sociais (o que faz ser enviado para “reciclagem” para Europa e Israel, eufemismo para o regime militar se livrar por uns anos dos padres “comunistas” que “davam trabalho”). Revendo os álbuns de fotos, percebi que as tenho com ele remetem à infância, quase todas da vida nômade que ele e mamãe escolheram (nasci em São Paulo e até os 10 anos já havíamos morado também em Santos, Rio de Janeiro, Campo Mourão e Natal). Essa foto que ilustra o post é dos passeios que papai fazia comigo a esmo pelo Centro de São Paulo e bairro Santana, onde morávamos à época, bem perto do antigo presídio do Carandiru. Também percebi que não tenho fotos com papai quando eu era adolescente. Talvez por focarmos mais em sair bebendo chope pelos bares do Rio e garimpar livros e revistas em sebos. Percebo também que nos últimos vinte anos postei pouco ou nada sobre papai porque para além do papel de filho eu focava no papel de pai, aí sim, haja fotos com os filhotes nos invariáveis almoços e jantares de Dia dos Pais. Com os filhos já adultos (e o almoço de hoje está marcado, claro!) me permiti retomar ao papel de filho e celebrar o velho Zéluiz, que partiu tão cedo (aos 62 anos, em 1991). Obrigado por tudo, pai.

Cefas Carvalho é jornalista

Escrito por Cefas Carvalho

Diário: Página 113

A FORÇA DA NOVELA