Por Natália Chagas
Quando me ligaram, eu não tinha a menor ideia de que falavam sobre Edney. Não fazia sentido para mim a descrição que desenhavam da pessoa que era meu amigo há tantos anos. Desatinado, transtornado, adoidado eram algumas palavras que usavam para tentar me explicar aquele ser que encontrei sentado com olhos arregalados, leve espuma no canto da boca e mãos fazendo cálculos no ar. Todos me chamaram por eu ser amigo de infância de Edney e médico. Acreditavam que era caso de internação de urgência. Fui acreditando que as pessoas exageram, mas ao deparar com aquele ser diminuto e triste, quase não reconheci meu velho amigo e até acreditei no que diziam.
Iniciei verificando seus reflexos e sinais vitais. Os olhos não piscavam, mas não havia nenhum sinal de injeção de drogas ou coisa do gênero. Ao mesmo tempo, nitidamente ele expunha uma perda de sentidos.
Levei-o para tomar um banho, e com sorte, um chá para desacelerar seus impulsos. Depois de muita habilidade e, graças aos ensinamentos de minha noiva, consegui frases com sentido da boca de Edney.
– Eu vejo as duas. São pontos verdes. Elas vêm juntas e estão separadas. São os olhos verdes.
Naquele momento, vi que ele precisava de um descanso, e o coloquei para dormir.
Então, liguei para Fernando que também era um amigo de nossa infância e, por conta do trabalho em engenharia dos dois, convivia mais de perto de Edney. Ao mencionar o que eu havia encontrado, Fernando respondeu de imediato:
– Guilherme, rapaz! Vamos ter que tomar umas pra discutir a situação. Vamos encontrar no Fred?
Com Edney já capotado, topei. Encontramos trinta minutos depois.
Ansioso para saber o que havia e já na expectativa de que seria algo muito sério, caso contrário Fernando não sentiria necessidade de esclarecer pessoalmente, apenas um telefonema bastava, cheguei e pedi uma cerveja. Logo em seguida, chegou Fernando pedindo o copo.
– Estou achando tudo muito estranho, mas como há muito não vejo Edney, precisava saber se ele sofreu algum trauma ou acidente. O estado que o encontrei foi assustador.
– Foi um pouco dos dois – riu Fernando – ou melhor, o acidente mais traumático que um homem pode sofrer: a vingança de uma mulher, eu acho. Duas, no caso. Creio, realmente, ser verdade quando falam que na vingança e no amor, a mulher é mais bárbara do que o homem. Ainda mais duas.
– Mas que duas? Ele não estava casado com Liz? Não estavam bem?
– Vamos um pouco antes. Você se lembra que Edney sempre teve fixação por olhos verdes, né? Pois é. Desde novo sempre teve essa obsessão por mulheres de olhos verdes. Eu também achei que ele havia assentado com Liz. Mas há uns 3 meses, ele me chamou pra conversar e me contou que havia conhecido Iza. Liz, a loirinha de traços finos delicada, e Iza, morena dos lábios grossos e carnudos. O que as duas têm em comum? Olhos verdes e Edney. Ele ficou completamente dividido entre as duas. Se desdobrava para atender mulher e amante sem que nenhuma se sentisse negligenciada ou levantasse suspeita. Mas começaram a acontecer coincidências intrigantes, fatos quase inacreditáveis com o trio.
– Como?
– Coisas muito estranhas… ele saía com Liz para o shopping, lugar que Iza odeia, e ele teve, nitidamente, a sensação de ver passar os olhos da namorada. Ele olhou para todos os lados, e não viu nada, nem ninguém. Dois dias depois, lá estava ele no samba, reduto oficial de Iza, distante das boates de Liz, e o pescoço de Edney sentiu o calafrio do fixo olhar verde da esposa. Mais uns dias se passaram, com qualquer uma que ele saísse, a outra se fazia presente sem ele, sequer, a vir. Foi-se acumulando fatos indescritíveis e indecifráveis a ponto de um dia ele me ligar de um armário que ele se prendeu porque estava com medo de sair na luz. Para todos os lugares que ele olhava haviam pontos verdes o olhando. Eu fui até a casa dele onde ele se trancou. Arrombei a porta, e o levei ao hospital. Ele ficou internado uns dois dias para descanso. Os médicos acreditavam em estafa. Eu acreditava no demoníaco encontro de olhos verdes com ódio pelas traições. Mas isso sou eu. Aí eu viajei. Cheguei ontem. E hoje você vem com essa notícia. São os verdes dos olhos. O demônio não é vermelho, é verde.
Depois da conversa fui pra casa. Refleti. Liguei para um amigo psiquiatra, troquei umas ideias e decidimos internar Edney. 3 dias mais tarde, Edney parecia mais calmo e me relatou com detalhes todo o inferno que passava entre os olhares das moças.
Ambas foram o visitar, então revi Liz e conheci Iza. Em dias separados, obviamente. Nenhuma das duas mencionou a outra de conhecimento ou suspeita da existência. Hoje, estou aqui no café da rua Augusta, esperando minha noiva, me deparo com quatro olhos verdes, dois pares de cada lado alegres a trocarem risadas, conversas e intimidades lascivas enquanto o grande plano de enlouquecer um pobre diabo vai se sucedendo.