Por Natália Chagas
A solidão era proporcional à vaidade que o havia afastado dela. Um oco no centro do peito inquietava a vontade de beber, o sossego das pernas, a serenidade mental ou a necessidade de respirar. Ele se lembrava dela como se sentisse o calor do corpo do seu lado. Chegava às vezes a virar o rosto na quase certeza que veria aquele rosto de pele branca, cabelos grisalhos e sorriso vermelho arrebatador.
Não fez muita força para recordar da fatídica noite que se separaram. Enxergou no olhar molhado a desilusão que avassalou o coração daquela mulher de pernas longas. Ele viu, naquele momento, que havia falhado. Mas não podia, por não querer, voltar atrás. Finalmente havia convencido Luara de participar do menáge que o perseguia em sonhos molhados há tanto tempo. Achava terrível não ser com Neiva com quem já tinha uma relação bastante rotineira, e o sexo sempre em alta qualidade, mas teria seu menáge com Luara. Aliás, durante todo percurso baladeiro da noite, tinha tido picos de tesão imaginando as duas melhores transas de sua vida na mesma cama. Mas Neiva já havia se consolidado como a rotina para ele naquela eterna insistência em oficializar o namoro. Ele nunca havia prometido diferente para ela, sempre foi honesto. Talvez pudesse ser mais franco ao mencionar o tamanho de seu tesão por Luara, mas ela sabia durante toda a relação do compromisso que ele tinha com sua liberdade e hedonismo. Nada ficaria entre ele e seu bem estar.
Mas aquela noite, o atordoava a ausência de Neiva. Depois de tantos meses ignorando o fato de ela não o ter procurado, como fazia em outros momentos, enfim se encontrou com saudades.
Atravessou a cidade até a casa dela, bateu campainha, gritou e nada. Nenhum sinal de vida. Um vizinho, ouvindo o barulho, apareceu na porta e disse:
– Não tem ninguém aí, não.
– O senhor sabe há quanto tempo Neiva se mudou?
– Olha, ela se foi há alguns meses. E de uma hora para outra. Minha esposa tentou convencê-la a ficar. Mas ela chegou uma noite, no outro dia de manhã pagou tudo à dona da casa, no fim do dia, o caminhão de mudança levou as coisas dela.
– O senhor sabe para onde ela foi?
– Ela não quis contar pra ninguém. Aqui na rua todo mundo tentou descobrir porque todos gostavam dela, mas a danada não arredou o pé. E estava triste a pobre alma. Sentimos muita falta dela.
Kênio saiu da frente da casa com um peso terrível passando por suas veias. Agora além da saudade, sentia culpa da infelicidade de Neiva. Pensou e repensou quantas coisas ela havia se prometido a ele, e tão pouco pediu em retorno.
Mas não havia desistido. Acharia a moça custe o que custasse. Afinal depois de anos investigando fofocas de madames, cavucando notícias de escândalos lhe daria um mínimo de conhecimento de como achar uma mulher que nem era tão pequena assim. A cidade não é grande. Não vai ser difícil.
Por alguns dias, rodou alguns lugares comuns aos dois perguntou a pessoas que conhecia Neiva ou era amigo de quando eram reconhecidos como casal. Ninguém sabia de nada. Algumas pessoas nem mesmo havia percebido a ausência da moça. Foi até o escritório onde ela trabalhava, e ela havia se demitido sem dizer onde ia. Ele sabia que ela não procuraria a família porque a relação era quase inexistente. Foi para redes sociais e viu que as postagens haviam parado de serem publicadas há mais de dois meses, próximo da última vez que se viram. No Facebook, no insta, apenas a mensagem: “Difícil não é lutar por aquilo que se quer, e sim desistir daquilo que mais se ama” – Bob Marley.
Aplacou em sua mente milhares de momentos declaratórios de Neiva. Um em especial que ele sentado no encosto da cama de olhos fechados sentiu a língua da mulher desenhando um caminho leve de tesão na perna esquerda, chegando em sua virilha, lambendo seu saco até o pau. Ela engolia toda rigidez de seu tesão provocando seus ímpetos mais enlouquecedores, sem ao menos abrir os olhos ele gozou alucinadamente. Devagar, ela chegou em seu ouvido e disse levemente: “te amo”. Aquela noite transaram onde não havia mais espaço na casa. Todo metro da casa foi percorrido com o amor de Neiva. “Quando foi que eu parei de enxergar a coisa boa que havia ao meu lado?”- se perguntou.
Agora mais do que nunca tinha que encontrá-la. Retomaria o projeto de casal que eles haviam pensado no início do romance. Considerou até mesmo a possibilidade de lhe pedir em namoro como ela sempre quis e ele achava uma bobagem.
Rodou por toda cidade em cada empresa de mudança que havia, acabou descobrindo que Neiva contratara um espaço para guardar móveis. A chave estava em seu nome desde que ele revelasse a senha:
– O senhor tem que falar a data em que se conheceram. Tem apenas uma chance, e tem que bater com a data que está no formulário.
Ele pensou uma série de vezes com medo de errar. Estava curiosíssimo em saber o que havia lá dentro. De repente, a imagem de Neiva entrou em sua mente como foi naquele vinte e oito de janeiro. O estúdio estava em gravação silencioso. Ele se sentiu magnetizado por sua imagem flutuando por entre as pessoas em destaque de luz. Nada mais sedutor do que o passo leve de uma mulher sem medo de invadir a vida de um homem.
Ele soltou o dia certo. Abriu a porta, no fim do salão vazio uma urna em cima de uma mesa segurando uma carta. Na carta dizia: “Ao meu amor, que ao desistir de ti, também desisti de mim, porém nunca consegui te tirar de dentro mim, então resolvi cremar o que me atormentava. Vou em corpo, fico em puro amor junto do seu coração. Te amo!”
Desde este dia, ao colocar a urna com os restantes dela sob a cama, ele perdera sua libido completamente.