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VANUSA E A MALDIÇÃO DE ANTÔNIO MARCOS

O Brasil não sabe que no dia 8 de novembro de 2020 perdeu uma de suas maiores cantoras. Sim, a maioria dos brasileiros, especialmente os mais jovens, vai lembrar de Vanusa às gargalhadas pelo lamentável episódio ocorrido em 2009 em que, doente e sob o efeito de medicamentos, errou a letra do hino nacional em uma cerimônia. Que bom que o tema da redação do ENEM tenha sido “O estigma associado às doenças mentais na  sociedade brasileira”, talvez assim se mude o comportamento pois naquele momento a grande cantora era apenas uma sombra do que era, uma pobre doente carecendo de cuidados e carinho.

Vanusa entrou na MPB pela porta da Jovem Guarda em 1968 mas logo no primeiro disco mostrou que não era uma Martinha, uma Rosemary, nem mesmo uma Wanderléa, pois na estreia aparecia como compositora e incluía temas políticos como o racismo e elementos de black music. Neste disco, ganhou as paradas com Pra nunca mais chorar, de seu padrinho Carlos Imperial em parceria com Eduardo Araújo e a regravação de Mensagem, antigo  sucesso de Isaura Garcia.

Em 1971 casou com Antônio Marcos, de quem já gravava composições e com ele teve as filhas Aretha e Amanda. Teve outros casamentos como o com Augusto César Vannucci, mas o grande amor de sua vida foi mesmo o “ébrio louco” Antônio Marcos, cuja convivência relatou em livro.

Morreu como mais uma vítima da “vida de “artista”, como Elis Regina, Raul Seixas, Cazuza, Sérgio Sampaio, Noel Rosa, a vida que leva do céu ao inferno em pouco tempo, relacionamentos conturbados, álcool, drogas . Gravou Milton Nascimento, João Bosco, Fagner, Luiz Melodia, Caetano Veloso, Belchior e uma versão do mega-sucesso de Gloria Gaynor ,I will survive. Vanusa foi ousada e mexeu em preconceitos como os  contra os negros e as mulheres e bebeu nas fontes do Tropicalismo e do psicodelismo.

2015 foi  o ano em que saiu seu último trabalho, VANUSA SANTOS FLORES, produzido por Zeca Baleiro. Já bastante doente, foi um trabalho difícil que só um fã como Zeca poderia fazer mas é um belíssimo disco de despedida. Nele, entraram composições suas, de Zé Ramalho, de  ngela Ro Ro e a melhor gravação de Esperando aviões, o já clássico de Vander Lee, onde um flugelhorn acentua o tom melancólico da composição e Vanusa extravasa sua dor. A presença de Zé Ramalho nos recorda que ela foi a primeira a gravar Avôhai, em 1977 como foi a primeira a gritar pelos ares “teu infinito sou eu”, da antológica Paralelas, de Belchior. Como compositora teve grandes sucessos como Mudanças e Manhãs de setembro.

Foi Antônio Marcos o homem que mais marcou a vida de Vanusa, como marido e como compositor. Falecido aos 46 anos de idade, vítima de cirrose alcoólica, conta Vanusa em seu livro que ele acordava às 10 da manhã, abria um litro de uísque e tomava pelo gargalo. Apesar de deixar belas composições como Você pediu e eu já vou daqui e Como vai você, revividas por Nando Reis, Gaivotas, feita para Roberto Carlos, a quase desconhecida Registro Geral, com um pungente texto declamado, Coração Americano, parceria com Fagner e Sonhos de um palhaço, feita com seu irmão Mário Marcos, estas duas, grandes sucessos de Vanusa, Antônio Marcos ficou marcado como o brega de Menina de trança.

A maldição parece ter sido transmitida a Vanusa que, além de não ter recebido o merecido reconhecimento, ficou marcada pelo lamentável episódio do hino nacional e veio a falecer exatamente no dia em que Antônio Marcos faria 75 anos.

Damião Nobre é médico.

Escrito por Damião Nobre

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